FESTA DE PASSOS – EM IMARUÍ, UMA MULTIDÃO DE FIÉIS CELEBRA A SUA ESPERANÇA CRISTÃ

 

(06/04/2025) “Após uma sequência de onze Santas Missas, estamos chegando ao momento tão especial desta nossa grande Festa: o Sermão do Encontro!”. Com essas palavras, o Pe. Avelino de Souza, Pároco da Paróquia São João Batista de Imaruí, alertava e convidava os fiéis que participavam da procissão do Senhor dos Passos, nesta tarde de domingo. 

É sempre assim no final de semana, o 5º da Quaresma. O Sermão do Encontro das imagens do Senhor Bom Jesus dos Passos e de Nossa Senhora das Dores encerra os festejos e marca o início da epílogo do tempo quaresmal.

‘Passos’ vem do vocábulo ‘passio’: Paixão! A Festa da Paixão também acontece em outras cidades, sobretudo naquelas de colonização luso-açoriana, do litoral catarinense: Florianópolis, São Francisco do Sul, Itajaí, Garopaba, Imbituba. Jaguaruna, Araranguá, Tubarão, Laguna... e Imaruí.

Na capital catarinense, milhares de pessoas celebraram hoje a 259ª edição da Solenidade. Em Laguna, que já era Paróquia em 1710, a Festa é tradicional, mas não se consegue precisar quando teve início. Na sede da Diocese, Tubarão, que completa 70 anos de sua instalação neste ano, a Festa acontece há 134 anos. Em Imaruí, cuja Paróquia data de 1834 (celebrará 191 anos em agosto), embora não se tenha registros precisos sobre a data da chegada da veneranda imagem de Passos, estima-se que ela já acontecia em 1850.

A Celebração religiosa foi declarada Patrimônio Cultural Imaterial de Santa Catarina em 2006 (Decreto 2504); mas, já possuía esse título nacionalmente desde em 2018 (IPHAN). Tal reconhecimento foi concedido à Festa de Passos da capital em 2019 e à de Tubarão, em 2022.

O que dá substrato às manifestações da religiosidade popular é a fé. E ela precisa ser formada, educada e amadurecida. Eis porque, ao longo dos dias da Festa, acontecerem tantas celebrações e reuniões visando auxiliar os fiéis a bem celebrarem cada ritual, cada gesto e o uso de cada símbolo pertinente à devoção. 

A manifestação se insere dentro da espiritualidade da Quaresma, que aponta, por sua vez, para a Páscoa; essa sim, a ‘Maior Festa’ da fé cristã. É ‘a Festa das Festas’, pois toda a dor e o sofrimento suportados por Jesus encontram aí o seu sentido pleno: entrega por Amor, resgate de nossa Salvação, solidariedade com a dor humana, enfrentamento e destruição da morte, glorificação da cruz com a ressurreição.

Neste domingo, Imaruí amanheceu linda, às margens da indescritível Lagoa de Imaruí, refletindo em suas águas os montes ao seu redor e o céu parcialmente nublado. A temperatura era agradável. Nas barracas de café, os fiéis que iam chegando encontravam café com leite bem quentinho, além de pães e bolos. O cheiro de comida salgada se percebia no ar. Era grande o movimento de colaboradores da Festa de um lado para o outro... Barreiras com policiais e guarda privada já controlavam a entrada de automóveis no centro de Imaruí. Os ônibus com romeiros permaneceram num estacionamento próximo ao Cemitério Municipal. Os carros pequenos foram se ajeitando pelas ruas e ruelas da cidade.

Imaruí estava em Festa: a Festa de Passos! A população acordou cedo; alguns nem dormiram com a agitação de preparar as barracas e tudo o mais para acolher os romeiros. O serviço de som da matriz São João Batista já funcionava no alvorecer dia dia, quando aconteceu a primeira Santa Missa. Choveu um pouquinho pelas 7h, mas nada preocupante para os organizadores. Durante todo o dia o tempo foi bom, bem diferente do último ano, quando o calor era tórrido e doentio.

A Missa dos Romeiros terminou por volta das 15h e o Pároco já encaminhou os preparativos para o início da tradicional procissão. Do meio do jardim central, sob as árvores, eu cumprimentei e conversei com vários conhecidos, atento aos movimentos que aconteciam ao meu redor. Vi casais andando de mãos dadas com os filhinhos, o pessoal se vestindo com as roupas de Passos e da Senhora das Dores (certamente pagadores de promessas), vi uma senhora retirando seus calçados para caminhar descalço na procissão, vi filhos auxiliando seus pais idosos, e pessoas acompanhando cadeirantes... Havia crianças comendo pipoca e outras guloseimas pela praça, enquanto outras ficavam instigando seus pais para receberem mais agrados. Muita gente carregando sacolas plásticas, sinal de que, nas barraquinhas, os camelôs conseguiram vender muitos produtos.

Fiquei emocionado quando vi os músicos da Banda Municipal Unidos de Imaruí, fundada em 22 de setembro de 1983, com seu belo uniforme branco, adentrar a Praça da matriz e postar-se diante da igreja. Reconheci o persistente maestro Gerson Corrêa. Logo notei que a Gabriela Corrêa subiu ao púlpito, no átrio do templo, preparando-se para entoar o cântico de Verônica. Torci e rezei para que o sistema de som não falhasse, pois aquela melodia e aquelas palavras penetram a alma do devoto e precisam ser ouvidas e sentidas. Mas falhava vez por outra (todavia, bem melhor que no ano anterior).

Algumas pessoas que descansavam deitadas no gramado se ergueram para acompanhar o movimento. O padre anunciou o início da procissão, apresentando as personagens bíblicas, com uma novidade: também crianças estavam devidamente caracterizadas para participar do cortejo. 

Os membros da Irmandade do Senhor Bom Jesus, sob a presidência do Fábio Corrêa, vestindo suas opas na cor roxa, colocaram-se a postos. Seu Oreti empunhou o guião, no início do cortejo, ladeado pelo neto e por outra jovem. Logo em seguida, era trazido o estandarte da Irmandade, orgulhosamente carregado pela ‘imortal’ D. Francinha.

O Senhor dos Passos desceu os degraus da frente da matriz, nos ombros dos orgulhosos e compenetrados Irmãos, atraindo os olhares de todos os que estavam na Praça: 

“É o meu Senhor! É o meu Bom Jesus! É o meu Salvador! Ó, quanto sofrimento retratado nesta obra de arte! Tão humano o meu Deus!”.

Lembrando a terceira queda de Jesus (9ª estação da Via-sacra), vemos o Senhor esgotado em suas forças humanas, mas firme e convicto em seu Plano de imolar-se por nós. 

“Ele não tinha aparência, nem beleza, para que o olhássemos, nem formosura que nos atraísse. Foi desprezado como último dos homens, experimentado no sofrimentos e quase escondíamos o rosto diante dele; desprezado, não lhe demos nenhuma importância” (Isaías 53,2b-3).

Ao comando do maestro, a Banda executou uma marcha solene e piedosa, enquanto as pessoas, em grande número, se mexiam pelas estradas e jardins, buscando acomodar-se para acompanhar o cortejo que iniciava.

Calmamente, acompanhei a imagem do Senhor. As pessoas passavam por mim, enquanto eu passava por elas. Era tocado e cumprimentava-as. Segui rezando o terço.

A cada parada diante de um dos Passos do Senhor (foram cinco), a emoção tomava os fiéis: o silêncio e a cantiga chorosa “Miserere” cortava-nos o coração. Nessas ocasiões, o carro de som foi muito importante. E também diante da Capela de Passos, quando a Verônica cantou pela segunda vez.

Ao longo do trajeto vi dois pontos de distribuição de água para os fiéis: na residência de D. Zenaide Bez Corrêa (como sempre é bom reencontrá-la e vê-la, junto da família, tomada de emoção e fé!) e num ponto próximo à sede da Banda (onde reencontrei o Danilo Corrêa com a família, cansados de tanto entregar copos d’água). Pela primeira vez, notei grupos de adolescentes, estudantes da cidade, vendendo água a fim de juntar fundos para sua formatura. Tomara que tenham logrado êxito. Observei que não havia carros ao longo do trajeto.

Só não entendi a falta de bom senso daquele jovem irmão que, no meio da multidão, tranquilamente, acendeu seu cigarro; e nem daquele grupo de jovens que sentou-se no meio-fio, numa curva, enquanto a multidão caminhava apertada quase por sobre eles... então, decidiram se levantar, mas tomaram o sentido contrário ao do povo, complicando a situação.

Fico me perguntando o que passa na cabeça daquelas pessoas jovens e adultas que apenas assistem a procissão passar. Estão lá nas portas ou janelas de suas casas, nas varandas e nos portões, encostadas nos muros ou parados nas esquinas e travessas. Por que falam alto, dão risadas, se divertindo, conversando ao celular...? No caminho, observo as pessoas, meus irmãos e irmãs, rezo e volto a pensar no Senhor.

Lá pelas tantas, em determinado momento da procissão, numa travessa, podia-se ver um grande número de pessoas que observava silenciosa a procissão passar. Estavam acompanhando a imagem de Nossa Senhora das Dores, ladeada e zelada pela sua Irmandade. Depois, por outro caminho, esta procissão transladaria a imagem da Mãe até a Praça da igreja.

Eu vi alguns casais trocarem gestos de carinho (e até beijos) durante a procissão. Percebi que um menino estava sozinho o tempo todo. Ele não parecia estar nervoso ou procurando alguém. Mais tarde, eu soube que estava perdido e que fora recuperado pelo seu pai. Encontrei pessoas que enxugavam lágrimas, emocionadas, enquanto alguns passeavam tranquilamente no meio do cortejo.

Diante da matriz, no final da procissão, às 16:45h, a multidão tomou conta da Praça, das escadarias, dos jardins e viu as imagens postas em seus devidos lugares, uma distante da outra, uma na direção da outra. Assisti uma mãe explicar ao filho pré-adolescente: “preste atenção, pois este é o momento mais importante da Festa”.

Então, foi anunciado o Orador do Sermão do Encontro, o Pe. Carlos Pamplona, do clero da Arquidiocese de Florianópolis. Concentrado e altivo, ele tomou seu lugar no púlpito e observou a multidão, que permanecia imóvel e silenciosa. 

A Paixão é um mistério. 

“Meus irmãos e minhas irmãs em Cristo, hoje, após esta caminhada, convido-vos a descerdes comigo ao coração da dor mais pura, à fonte do Amor mais elevado, ao monte onde o céu se inclinou para a terra que, com lágrimas e sangue, se ofereceu ao céu. Falamos da Paixão do Senhor; e não falamos dela como quem recita uma história distante, mas como quem vive e contempla hoje, e a reconhece pulsando ainda hoje, nos cantos escuros da humanidade e da alma humana. Porque a Paixão de Cristo não é apenas um evento lá do passado. É um mistério que continua e se perpetua em cada dor humana, em cada injustiça, em cada cruz que se levanta a cada um de nós filhos de Deus.

O Amor é desprezado. 

Iniciemos com aquele julgamento infame diante de Pilatos. Cristo, ‘a Verdade feito carne’, permanece em silêncio diante da mentira organizada. O Justo é condenado pelos injustos; e não porque Pilatos o achasse culpado, mas, sim, porque o achava incômodo. Eis aqui o drama do mundo. Quantas vezes a verdade é descartada por ser exigente e não aguardar o clamor da multidão. ‘Eis o homem’, bradou Pilatos: sim, o Homem ferido, ensanguentado, coroado de espinhos, imagem fiel do Amor rejeitado. ‘Não é a dor que salva, mas o Amor que ela suporta’ (S. Maximiliano Kolbe). Jesus ama até o fim, até ser traído, cuspido, açoitado. Aquele que tocava os leprosos, agora é tocado com brutalidade. Aquele que curava, agora é ferido. Aquele que perdoava, agora é condenado. Ele abraça a cruz com liberdade, Ele é amor! ‘O Amor não é amado’ (São Francisco de Assis).

Não experimentamos também isso? Amamos e não somos amados; servimos e somos esquecidos pelos outros... Toda dor que se vive com Amor, se torna, em Cristo, redentora. O caminho para o Calvário é lento, marcado pelo peso da cruz (todas as nossas culpas).

O olhar de Jesus e de Maria.

Na via dolorosa, um olhar encontra outro olhar: o Filho e sua Mãe, Maria, a Senhora das Dores. Nada fala, mas tudo diz com os olhos. Como lembrou Simeão: ‘uma espada transpassará tua alma’. Aquela que embalou o Menino nos braços, agora o vê cambalear desfigurado, seu Filho. Aquela que ensinou Jesus a dar os primeiros passos, agora o vê cair sob o peso do madeiro. E ainda assim, ela não desiste, não se revolta. Está ali como Igreja fiel, Mulher firme e cheia de Graça. Ela é ‘stabat mater dolorosa’ (latim: ‘estava a Mãe dolorosa’): a Mãe estava de pé, não desmaiada, não fugida, firme na dor e na esperança. Ela compreende as lágrimas das nossas mães. E ainda confia nas promessas de Deus: diante da morte, Deus permanece fiel.

Um alento. 

Jesus tropeça e é ajudado por Simão de Cirene, consolado por Verônica. Aparece, aqui, a caridade. Deus suscita homens e mulheres de bem. E nós, somos solidários?

Amor pleno. 

‘Pai, perdoa-lhes’. O Amor atinge sua plenitude, clama por misericórdia. ‘Ele não somente falou, mas encarnou o perdão’. Muitos carregamos cruzes muito pesadas: uma dor, uma saudade, uma doença, um desgosto, uma traição, um descontentamento, um sonho não realizado, um trauma, uma frustração. No auge de sua dor, Cristo nos perdoou.

Mãe solidária.

Em pé, junto à cruz, está Maria. ‘Ofereceu-se, com seu Filho, à morte. Foi mais do que mártir, pois sofreu em seu coração o que o Filho sofreu em seu corpo’ (São Bernardo de Claraval). Ela não é apenas espectadora, mas coparticipante, sente com o Filho. Mas não é assim convosco, pais? O Filho não esquece da Mãe: ‘Eis aí teu Filho’. Maria nos acolheu como filhos, ela nos compreende e intercede por nós.

Mãe da Esperança. 

Ele não diz ‘tudo está perdido’, mas, sim, ‘tudo está consumado’. O Amor venceu! Sua Paixão não é para ser apenas contemplada, mas vivida. Nas quedas de Cristo, está o espelho para nossas quedas. Cada golpe, uma lembrança das injustiças que ainda sofremos. Cada olhar de Maria, um consolo em nossas dores. Cada gota de sangue, um grito de Amor. Não saiamos daqui ‘comovidos’, mas ‘convertidos’. Confiemos como Maria. Como Cristo, vivamos um amor de entrega e não ‘frouxo’. ‘O Calvário não foi o fim, mas o começo porque do sangue que escorreu daquela cruz nasceu a esperança do mundo’ (Beato Fulton Sheen).

O Amor é eterno.

Olhemos as imagens: o Filho com a cruz nos ombros, a Mãe com a espada no coração. O mundo ao vê-las proclama, cinicamente: ‘eis o fim, eis o fracasso, a derrota’; mas o Céu, em silêncio glorioso, responde: ‘eis o começo, a vitória, a porta se abre para a eternidade’. Pois, onde o mundo viu o peso da cruz, Deus revelou o peso do Amor; e onde se viu uma espada de dor, os olhos da fé contemplaram uma espada de esperança cravada no coração da mulher que mais acreditou. A cruz parecia cair sobre Cristo; mas era Cristo quem a erguia. O coração parecia rasgar Maria, mas era Maria quem abraçava o mundo com o seu coração. Não foi o fim; foi o princípio! Não foi a derrota, foi o trono! Não foi o silêncio da morte, foi o grito do amor eterno que não morre jamais!”

A enorme assembleia aplaudiu a bela reflexão e aguardou as imagens serem levadas de volta para o interior da matriz. Como nos últimos anos, as pessoas se perguntavam se era o fim da Festa ou não: “e os agradecimentos, as palavras finais do Pároco, a bênção e o anúncio da data da próxima Festa?”. Por opção da organização, tudo ficou para mais tarde, no interior da igreja, quando os devotos já haviam se dispersado.

De longe, ouvi pelo sistema de som a bênção do Pe. Pamplona e que a Festa acontecerá em 22 de março de 2026.

Acompanhei as pessoas dirigindo-se aos seus meios de transporte, guardados em algum lugar da cidade. Enquanto isso, outras retornavam para junto dos camelôs, tentando comprar mais alguns badulaques (talvez com promoções).

Esta Festa foi uma grande experiência de amor. A Paróquia de Imaruí nos ajudou a vivermos uma bela experiência quaresmal.


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