FILME ‘ALBERTINA’ – A CASA DO SEU LAURENTINO E DA D. BELINHA

 


Início do verão de 2019. O tempo passou rapidamente até que começassem os trabalhos de filmagem do longa-metragem ALBERTINA.

A novidade chegou em forma de proposta cinematográfica de levar a história da Beata Albertina Berkenbrock para o cinema. Luiz Fernando Fernandes Machado, cineasta e proprietário da Boanova Films – Companhia de Cinema Regional, de Florianópolis, foi quem propôs esta iniciativa.

A Prefeitura de Imaruí e o Santuário de Albertina aceitaram o desafio. Novembro e dezembro foram meses de intenso trabalho em vista da preparação das estruturas para que o Projeto pudesse ser concretizado.

Foi oferecido um Curso Popular de Cinema em Imaruí e organizada uma pequena estrutura para uma Base de Produção Local, tendo à frente a Giovanna Barreto e Maurício Danielski.

Também em São Luiz, uma estrutura mais robusta foi organizada, tendo como Produtor Local o Pe. Auricélio Costa. Várias outras Equipes de Produção foram organizadas envolvendo lideranças e colaboradores locais. O Salão Comunitário foi cedido para ser a Base de Produção Local. Atores amadores foram preparados e envolvidos no processo. O elenco de atores e técnicos profissionais foi definido pelo Luiz Fernando e pelo Chico Caprario, que também cuidou do roteiro do longa-metragem.

Um dos grandes desafios no trabalho de preparação para rodar o filme, foi conseguir e definir as muitas locações. Visto tratar-se de um Projeto de baixo orçamento, buscou-se aproveitar casarios antigos e lugares já existentes na região.

Para esta tarefa, Chico e Luiz receberam o apoio de outros dois cineastas: o Gabriel Sanchez Villazón, da Bolívia, e o Avelino Los Reis, cenógrafo, especialista em Direção de Artes, atualmente residindo em Florianópolis. Auxiliado por moradores da comunidade, eles visitaram dezenas de edifícios e lugares que poderiam servir para as filmagens.

O enorme trabalho foi muito bem recompensado. Encontraram locações belíssimas, casas antigas em ótimo estado de conservação e a hospitalidade do povo local.

 

Milagre aos 45’ do segundo tempo: a casa em Anitápolis

O Natal estava se aproximando e a Equipe precisava retornar para Florianópolis, por conta de compromissos profissionais e familiares. E o trabalho efetivo de rodar o filme aconteceria somente após uma pausa para os festejos de Natal e de Ano Novo.

Tudo deveria ter sido encaminhado naqueles dias, mas ainda havia uma lacuna não preenchida. E isso incomodava a Direção. A Equipe tinha trabalhado muito para elencar todas as locações necessárias para o longa-metragem. Não obstante tanto empenho, ainda faltava encontrar duas locações ideais: uma deveria ser “A casa da Doutora Marta” e a outra, “A casa de Hugo em Anitápolis”.

Então, coisa da Providência Divina, no dia treze de dezembro, dia de Santa Luzia, uma sexta-feira, aconteceu algo maravilhoso.

O dia havia escurecido. Já era tarde da noite. Então, eu recebi uma mensagem do Diretor, via whatsapp. Luiz Fernando estava feliz da vida: “Padre, eu vou lhe contar mais um milagre que acabou de acontecer. Eu estava procurando uma casinha para locação, porque o Chico está convencido de que é importante que a enfermeira Marta tenha sua casa. E ainda não conseguimos definir todas as locações. Disseram pra nós que havia uma casa, distante uns doze quilômetros de São Luiz, em direção à Aratingaúba”.

Assim posto, o Luiz explicou como, já na escuridão da noite, eles encontraram a casa para locação. Não será a casa da Marta, mas servirá para ser a residência do professor Hugo. Com a palavra, nosso Diretor: “Fomos procurar a tal residência. Mas, infelizmente, logo começou a escurecer rapidamente e, por conseguinte, decidimos pedir uma informação. Paramos num quiosque próximo da Estrada Geral. A sua proprietária se chama Carina Faust. Ela nos atendeu cordialmente.

Expliquei-lhe que estávamos procurando uma casa antiga, que era para o filme de Albertina e tal. Ela me deu outra dica: ‘Não, você não precisa ir atrás de outra casa. Vá conhecer a casa da D. Belinha, minha avó’, orientou enfática. ‘Mas, como faço para chegar lá?’, indaguei e ela ensinou: ‘Voltem 400m, desçam o morro, à esquerda, entrem numa pequena estrada que irá levá-los até uma casa antiga’. E foi o que fizemos.”

O Luiz continuou sua busca, acreditando nas palavras da moça. Na verdade, já não havia mais nada a perder. Então, falou para seus colegas: “Vamos lá ver do que se trata”.

E o Diretor continuou sua história: “no meio daquela escuridão, breu que só, depois de um arvoredo, finalmente, chegamos a uma casa que, à primeira vista, já parecia mesmo muito antiga. Descobrimos que nela mora um casal de velhinhos: o Sr. Laurentino e D. Isabel Faust. Eles são mais conhecidos por seu Tino e D. Belinha. Todos dizem que aquela é a casa mais antiga da região. Mas está intacta! Tem forro, piso e assoalho antigos. As gigantescas aberturas de madeira trabalhadas à mão estão bem conservadas.

Notamos que os móveis são embutidos, de madeira e originais. E, justamente naquele dia, Seu Laurentino estava fazendo aniversário: nascido em 1918, completava 101 anos de idade! Eles estavam muito felizes! E se alegraram ainda mais com nossa visita.

Percebemos que o homem estava suado, certamente depois de um dia de trabalho; ou seja, o casal mantém um ritmo incrível de trabalho diário, lidando com plantação e animais. Depois de nos apresentarmos, explicamos-lhes a proposta do filme ALBERTINA e que estávamos procurando lugares para as filmagens.

Prontamente autorizaram que usássemos sua casa. Disseram que fariam bom gosto de ajudar, pois, eram contemporâneos da Menina, conhecem bem sua história, de quem são devotos. Eles ficaram muito felizes com a nossa proposta”.

Ainda todo empolgado, o Luiz Fernando declarou: “Gente, trata-se de uma casa fantástica! É verdade! Não há residências do lado, somente árvores. Ela inspira várias perspectivas cinematográficas, aquela mata toda... Para o filme, foi uma descoberta e tanto, uma riqueza! Voltarei lá com o Chico pra oficializarmos o empréstimo.”

Realmente, o achado foi muito importante. Esta locação, como dissemos, serviu para ser “A casa de Hugo em Anitápolis”. Ali foi filmada a cena em que o professor Hugo (interpretado por Geraldo Cunha) chega em casa, após quase perder a vida numa enxurrada, é acolhido pela esposa aflita; conta tudo o que aconteceu e afirma que foi auxiliado por Nossa Senhora; e, por fim, abraça seu pequeno menino (papel de Neymar Faust Heerdt).

O primeiro filho deste casal chamava-se João. Ao todo, o eles tiveram treze rebentos: João, Anita, Hugo, Jorge, Lúcia, Maria, Max, Elizabeth, Inês, Raimundo, Dorothéa, Benjamim e Antônio. Max era o avó da atriz Diana Chris que, no filme, interpretou o papel de sua bisavó Elsa Bühler.

Enfim, a busca por locações tinha valido a pena. E, para comemorar o êxito obtido, assim que chegaram em Imaruí, o Luiz e o Gabriel foram comer um X-Salada na lanchonete do Nei. Êta noite abençoada!!!

 

Seu Tino e D. Belinha e suas riquezas

A escolha desta locação para as gravações merece que sejam registrados outros aspectos sobre o casal de idosos. No cotidiano da comunidade de Aratingaúba, se percebe que há um pouco de folclore em torno do casal Laurentino e Belinha, talvez o mais idoso, atualmente, de todo o município.

É evidente que a comunidade de Santo Antônio tem um carinho especial por eles. Tiveram muitos filhos, dezenas de netos, bisnetos e tataranetos... todos criados na maior simplicidade, com muito esforço, tirando da terra o próprio sustento. Compartilharam com filhos e descendentes suas próprias vidas, seus valores humanos e sua fé arraigada na vida.

Dizem que são o casal mais rico da região, embora não ostentem nenhuma abundância. De fato, o que têm de riqueza e fartura é família numerosa, fé católica fecunda e alegria de viver.

D. Belinha foi catequista por dezenas de anos, e educou na fé quase todos os adultos da vila. Sempre colocou-se a serviço da comunidade, especialmente através do Apostolado da Oração, do Ministério Extraordinário da Comunhão e da Pastoral da Criança. Os dois sempre esbanjaram vivacidade, alegria e bom humor.

Seus filhos ficaram muito felizes quando souberam que a casa onde se criaram serviria para locação do filme ALBERTINA. Durante as gravações, eles cuidaram para que não faltassem o café fresquinho, a água gelada, sucos, bolos, biscoitos, salame, peixinho frito, pães, pamonha... De modo que a mesa ficou pequena pra comportar todas as guloseimas que eles trouxeram para bem acolher a Equipe de Produção.

 

Preparação cenográfica do local

Eles nem se importaram quando, naquele domingo, dia 19 de janeiro, desde manhã cedo, a Diretora de Artes Sarah Calazans promoveu uma revolução em algumas peças da residência dos velhinhos. Retiraram alguns móveis do lugar, fizeram ajustes noutros que lá estavam (todos muito antigos)...

Dezenas de objetos que o casal recebeu de presente nos últimos anos, e que estavam acomodados num e noutro lugares, precisaram ser recolhidos do set. Aos poucos tudo foi se ajeitando, sob o olhar atento e prestativo de D. Belinha. “Fique a vontade; faça do jeitinho como achar que precisa ser feito”, dizia a mulher. A Sarah brincava com eles, procurava envolvê-los no trabalho explicando o porquê desta ou daquela mudança.

A Equipe chegou no final da tarde. As cenas a serem gravadas deveriam ser registradas à noite. Ainda com luz natural, eles foram montando os equipamentos. Fizeram mais alguns ajustes no cenário. Todos ficavam admirados com as aberturas do prédio, com certeza centenárias: enormes, madeira maciça... E a chave da porta da frente, então?! Era um assombro de grande!

 

As epopeias do Seu Laurentino

A comida continuava sobre a mesa, sempre à disposição. Um beliscava alguma coisa; outro petiscava outra. O patriarca, sentado numa cadeira de madeira, junto à mesa, contava uma história atrás da outra. Os atores e técnicos riam ‘pra mais de metro’ das peripécias do seu Tino quando criança.

Então, diante de uma plateia tão seleta, sem demonstrar cansaço algum, o homem centenário foi desfiando suas aventuras da juventude, recordando como era a vida na roça, como eram as festas da comunidade, como os jovens eram educados... e como faziam para chamar a atenção da meninas.

Confidenciou que D. Belinha ainda era muito novinha quando começaram a namorar e que ela impôs bastante resistência aos galanteios do jovem Laurentino: “Mas eu não desisti e fui buscá-la lá na casa do pai dela”, contou o romântico centenário. Elianne, Edite, Gabriel, Geraldo, Heitor, Eugênio Vitoreti, Tamaya, Chico Nascimento... e eu também: todos nos deliciávamos com aquelas histórias pitorescas.

Às vezes ele provocava a Elianne, que é ‘manezinha da Ilha’, lhe fazendo toda sorte de perguntas e logo arrematava: “Ué, você é filha de gente rica e de poder lá da capital e não sabe disto?” E todos se divertiam. Às vezes D. Belinha o interrompia, tentando conter um pouco da intrepidez do seu ‘véio’: “Calma, homem. Não é bem assim! Toma um cafezinho aqui, ó!” E a conversa continuava mais animada ainda.

 

Uma camisola para Elsa

Enquanto isso, ali nos outros dois recintos do casarão, na sala e na antessala, a Sarah cuidava de dar mais uma ajeitada nos objetos cenográficos. E ajudava a Diana Chris, que interpretaria Elsa, a provar um figurino. É que a Produção enviou um conjunto de roupas trocado. Em vez de ser trazido o figurino pra ela usar à noite, enquanto esperava o marido chegar, trouxeram o que a Elsa usaria na capela, durante a Missa.

Mas essas meninas são fabulosas e a D. Belinha veio em socorro delas: “O que é que está acontecendo? Posso ajudar? Vocês precisam de roupas?” E emprestou sua própria camisola. Porém, era muito transparente. Então, elas deram um jeito de colocar um vestidinho por baixo da peça e tudo ficou resolvido.

Quando a Diana veio até a cozinha mostrar seu novo figurino, o seu Tino foi o primeiro a observar: “você está muito bonita, menina”, elogiou. A Diana enrubesceu e explicou: “é a camisola de sua esposa”. E ele completou: “Eu sei! É bonita!”. Todos caíram na brincadeira e foi assunto pra muitas outras risadas.

 

Muita história sob o alçapão

Enquanto não começavam os registros, as meninas fizeram outra descoberta. Curiosas que são, notaram que havia um alçapão no assoalho de tábuas largas. “O que é isso, D. Belinha?”, perguntaram.

E a boa mulher respondeu: “Ah, isso é uma espécie de porão. Há mais de cem anos, quando ainda havia escravos aqui, eles dormiam aí durante a noite. Devia ser muito incômodo, pois é bem apertado. Raramente abro isso, pois enchi lá embaixo de cacos de vidro para as crianças não irem brincar e nem se esconder lá dentro. Esse lugar nos traz recordações tristes”. Então, elas abriram e viram que estava muito escuro, tornando a fechar o fosso.

 

Eles fazem chover e relampear

Na rua, ao lado da casa, o Chico Caprario, o Gabriel, o Diego Wensing e o Chico Nascimento estudavam um jeito de fazer chover e relampear. Pareciam quatro meninos brincando, animados, focados e conversando o tempo todo. Estavam mesmo trabalhando, mas se divertindo às pampas.

O ‘brinquedinho’ deles era um pesado aparelho de solda, tomado emprestado do Sr. José Carlos Berkenbrock, dono de uma madeireira em São Luiz. Durante o dia, a Diana e o Anderson Heinzen tinham ido lá buscar o aparelho e levá-lo para a locação.

Aquilo fazia um barulhão ao mesmo tempo que soltava muita faísca em meio a um clarão. Eles fizeram muitos testes para saberem corretamente como produzir um relâmpago cenográfico. Foram horas nesta lida.

E a chuva? Bem, não havia chuva natural naquela noite, mas para seguir o roteiro, prepararam chuva artificial através de uma mangueira esticada até próximo da porta onde, conforme o script, deveria chegar o professor Hugo.

 

Lavando roupa de madrugada – ninguém merece

Enfim, já era meia-noite quando decidiram começar a gravação. Na cena, havia barulho de chuva, vento e relâmpagos. Mais tarde, no trabalho de mixagem de som, o Renan Ramos Rocha cuidará destes detalhes no seu estúdio.

Elsa está aflita. Alguém bate à porta e ela corre para acolher o marido que chegara, todo encharcado e enlameado. Esta tomada foi repetida algumas vezes para fazer coincidir a abertura da janela pelo vento, a batida na porta e a ocorrência do raio... Tudo precisava ficar concatenado.

Todas as vezes, ao abraçar o marido, Elsa sujava sua camisola amarelinha com o barro da roupa dele. A própria atriz conta como resolviam isso: “Todas as vezes que eu abraçava o Geraldo (que interpretava o professor), a camisola sujava de barro. E, como não tínhamos outra camisola daquele modelo, tínhamos que lavar a peça cada vez e secá-la com secador de cabelo. Isso demorava um certo tempo. E aconteceu umas oito vezes! Dava trabalho de montão, mas a gente se divertia muito!”, explica.

 

Aprendendo a ser atriz

Diana conta mais: “Como não sou atriz profissional, a Direção de Fotografia teve que ter mais paciência comigo: eu teria que fechar a janela, correr para abrir a porta... e isso era muito engraçado, porque, às vezes, eu fazia tudo rápido demais e o Chico Nascimento (cinegrafista, que na verdade chama-se Marcos Francisco) não conseguia acompanhar meu ritmo. Então o Caprario me dirigia para fazer tudo dentro do tempo.”

De fato, o Chico Caprario cuidou da direção nestas tomadas, visto que o Luiz Fernando precisou retornar para Florianópolis. Não obstante o seu esforço, Diana relata que se sentia desafiada no set: “Era um verdadeiro desafio pra mim. Por exemplo, no fogão eu tinha que mexer numa panela de ferro vazia, como se estivesse cozinhando, e não podia fazer barulho algum enquanto o Geraldo passava o texto dele que, por sinal, era muito longo.

Então, silenciosamente, eu deveria pegar umas louças no armário, acompanhando a fala do ator. Como não estávamos cozinhando nada, a Direção de Artes preparou uma gororoba com água fervendo e farinha de mandioca para representar uma sopa; e foi o que a Elsa serviu para o seu marido Hugo”, conta Diana, já com saudades daquela madrugada no Aratingaúba. E deixando bem claro: “Ah, o Geraldo não tomou aquela sopa, não!”, diverte-se.

 

Missão cumprida – Vencidos pelo cansaço

O trabalho todo só foi concluído na madrugada, às quatro horas da manhã. Seu Laurentino e D. Belinha não aceitaram descansar um pouco; permaneceram o tempo todo ali conversando, rindo, servindo, garantindo que não faltasse café novinho pra todos. Ele com 101 anos e ela com 89 anos de idade! Mais tarde, lá por volta de uma hora da manhã, a anfitriã foi vencida pelo cansaço e se retirou para repousar um pouco. Não foi a única, também a mexicana Tamaya buscou um ninho para cochilar.

Mais sorte teve o ator mirim Neymar. Ele já andava pestanejando, como se diz, e tão sonolento (tadinho!) que foi necessário adiantar as tomadas em que ele contracenaria com Geraldo e Diana Chris. Tão logo sua participação foi concluída, a sua mãe, que o acompanhava, levou o filho para dormir tranquilamente em sua casa. Ele já havia brilhado no set; tinha todo o direito de sonhar em sua cama.

Nem sabemos se o seu Laurentino conseguiu dormir quando a Equipe foi embora e os galos já anunciavam o novo dia. Mas, como toda certeza, jamais iremos esquecer o exemplo de hospitalidade, disponibilidade, bem viver e bom humor daquele casal e daquela família.

A antiga residência dos Faust ainda está lá de pé, graças a Deus! E tem, agora, mais essas histórias de cinema para contar!

   Pe. Auricélio – 30/09/2020

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