Você sabia que foram usados dois caixões funerários no filme de ALBERTINA? E você já começou a se questionar: “caixões de defunto? Que papo estranho é esse? Que conversa macabra!!!!”
Bem, aqui, por enquanto, vamos contar
histórias a partir de um deles: o caixão da Elisabeth Schmöller!
Quem de nós nunca se benzeu e apertou o
passo ao passar diante de uma loja ou capela funerária? Quem nunca ficou
receoso ao se aproximar de um caixão, mesmo que estivesse vazio, sem cadáver?
Quem nunca ficou assustado ou curioso ao se deparar com um túmulo quebrado ou
aberto, lá no cemitério? Quem nunca se surpreendeu imaginando como seria ficar
dentro de um caixão e, pior ainda, dentro de uma sepultura?
Bem, talvez você já queira parar a
leitura por aqui, porque está ficando muito chata e obscura. Compreendo. Mas,
experimente mais um pouco. Como diria o Bento Carneiro, ‘o vampiro brasileiro’,
que vivia dentro de um caixão, personagem do Chico Anysio: “minha vingança será malígrina”!
Para o famoso cineasta e ator José
Mojica Marins, que deu vida ao Zé do Caixão, o ataúde passou a ser seu codinome
e tornou-o reconhecido no mundo inteiro. A primeira obra deste Zé a ficar
conhecida mundialmente foi “À Meia-noite Levarei a sua Alma” (1964).
Em nosso longa-metragem ALBERTINA,
também tínhamos um Zé: o Zé do Som! O nosso também era cineasta e estiloso, conservando
sempre bem tratados suas costeletas e seu cavanhaque. Meras coincidências... José
Carlos Júnior trabalhou no filme como Técnico de Som Direto, substituindo o
Heitor Caramez Peixoto. Este havia trabalhado algumas semanas na produção, mas precisou
sair do projeto para se dedicar aos seus estudos de História.
Mas o Zé do Caixão, de certa forma,
esteve nos bastidores do filme. Como assim? Desde quando o Produtor de Artes
Avelino Los Reis, igualmente famoso no mundo cenográfico nacional e
internacional, aceitou assinar sua participação em ALBERTINA.
Foi ele o responsável pela Direção de Artes da badalada Mini-série televisiva “Zé do Caixão”, em 2015. Montou os 70 cenários da obra, especialmente aquele em que mãos de pessoas vão brotando do chão do cemitério... como ele mesmo contou para nós, enquanto tomávamos um café na Lanchonete da Dika e do Toninho Rosa, em São Luiz (Imaruí).
Esse foi o “cemitério supenso” criado por Los
Reis! E disse que recebeu elogios do Mojica pelo trabalho realizado. A gente já
havia estudado e escutado falar sobre os tais ‘jardins suspensos da Babilônia”,
mas, “cemitério suspenso”, foi muito original!
Está aí a genialidade do Avelino,
reconhecido pela empresa Oficina São João, que o contratou: “A
reprodução dos cenários originais exigiu uma extensa pesquisa da obra
cinematográfica do diretor, assim como testemunhos de seus colaboradores, a fim
de conseguir o máximo de realismo”.
Algo inusitado aconteceu em 13 de março
de 1998, com eclipse lunar penunbral, uma sexta-feira (sic!): o Zé do Caixão
protagonizou o maior corte de unhas do mundo! Foi durante o show da famosa
banda Sepultura (sic!), diante das câmeras, quando suas gigantescas unhas foram
cortadas, enquanto a plateia gritava tresloucada e possuída: “não somente as unhas, cortem a mão inteira
do Zé!” Quanta excentricidade!
Vale dizer que, infelizmente, quando
estavam sendo concluídas as gravações de ALBERTINA, Mojica, o ‘rei da cultura trash’ e ‘pai do terror nacional’, foi
definitivamente abraçado pelo sua urna funerária, no dia 19 de fevereiro de
2020, aos 83 anos de idade.
Continuando essa revisão sinistra, o
tema esteve presente durante as filmagens ainda de outra forma. ALBERTINA é uma
produção da Boanova Films, assinada e dirigida pelo prestigiado cineasta
catarinense Luiz Fernando F. Machado. A trama, no estilo de ficção, conta a
vida da Beata Albertina, que está a caminho da Canonização. E quem assinou o
Roteiro, foi o renomado cineasta e ator Chico Caprário, da Ilha de Santa
Catarina.
Tão logo tiveram início os trabalhos em
São Luiz, o nosso roteirista foi chamado no Rio de Janeiro para receber mais um
prêmio de sua carreira artística! Desta feita, o prêmio de ‘Menção Honrosa’ pela
brilhante atuação em seu monólogo no longa-metragem ‘O Espiral de Contos’, no
Festival de Cinema de Terror Rio Fantastik Festival 2019. Esse Chico é mesmo ‘um
terror’!... do Bem, é claro!
No roteiro que escreveu para o ALBERTINA,
sempre submetendo-o à apreciação do Diretor e dos padres supervisores
(Auricélio e Sérgio Jeremias), Chico pensou em contar a história de Albertina a
partir dos seis anos de idade, justamente quando ela recebeu o Sacramento da
Crisma. E foi nesta mesma época que ela perdeu a sua avó paterna, a motha (vó) Elisabeth Schmöller
Berkenbrock, interpretada pela Lady Berkenbrock Rosa, a nossa D. Dika.
Sobrinha da Beata e bisneta da finada Elisabeth,
assim que foi convidada pela Equipe Executiva do filme, logo aceitou o honroso
convite; e atuou com delicadeza e responsabilidade. Sendo amadora, estreou no
cinema contracenando com Sueyene Espíndola, que interpretava Albertininha.
No registro, ela vai até a chácara
buscar bananas. O Maneco Palhoça, personagem de Márcio Gonzaga, empregado da
família, colhe um cacho maduro da fruta. A motha,
então, junto ao fogão à lenha, ensina sua netinha a fazer doce de banana (schmia). Enquanto isso, vai lhe transmitindo
a cultura germânica.
No diálogo, ela foi interrogada pela
criança sobre por que veio da Alemanha para o Brasil. Ao que a idosa respondeu,
com uma pergunta: “Albertina, você já
sentiu fome alguma vez na vida?”. Esta foi uma forma artística encontrada
para evidenciar os sofrimentos enfrentados pelos nossos primeiros
colonizadores, provindos do Velho Continente, homenageando-os.
A própria Elisabeth e seu futuro esposo
João Germano, quando crianças, haviam sobrevivido à fome e à pestilenta
tuberculose em seu país. Devem ter vindo ao Brasil por volta de 1860, na
primeira leva de colonizadores para esta região de Teresópolis e São Martinho. O
que suportaram na longa viagem neste nosso Atlântico, e seus esforços para
desbravarem a nova terra, só Deus sabe.
Mais tarde, em 1890, o casal se uniu em
Matrimônio e teve nove filhos. Um deles é o Henrique Berkenbrock, pai de
Albertina que, no filme, foi interpretado por Chico Caprario. Estes bravos
pioneiros, merecem, realmente, nossos respeitos.
Bem, a tomada no pomar foi gravada na
propriedade de Antônio Inocente e Marlene Berkenbrock, do ramo familiar de
Albertina; já a cena da cozinha, a locação foi na antiga residência de Antônio
Kock.
Para dar um maior valor histórico ao registro
destas cenas, o Luiz Fernando decidiu colocar (em voz-off) a voz natural de D. Mariquinha Berkenbrock Feuser, irmã
legítima da Beata, que ainda vive junto da família em Vargem do Cedro (São
Martinho).
Seguindo o roteiro do Chico, como se
pode conferir na película, temos o anúncio da morte de Elisabeth, de uma maneira
simbólica, através do repicar fúnebre do sino da capela de São Luiz, exatamente
no momento em que a mãe de Albertininha, D. Fina (personagem de Elianne Carpes)
contaria à filha do ocorrido passamento de sua querida motha.
Para o velório e sepultamento da finada,
havia a necessidade de uma urna funerária. O pessoal da Direção de Artes,
liderada pela Sarah Calazans, precisou dar um jeito; e foi quase que
inesperadamente que lhes solicitaram um caixão. As meninas das Artes – Eliane
Lemos, Edite Vargas, Diana Chris e, claro, a Sarah – naquela tarde, leram a
Ordem do Dia emitida pela Direção do filme, onde rezava: “enterro da Elisabeth – providenciar caixão”. Elas se
entreolharam, meio atordoadas... releram o texto, como a se perguntarem umas às
outras: “e agora? Onde encontraremos um
caixão de defunto?”
Enquanto elas estavam ali discutindo uma
saída para a situação, e o entardecer estava chegando, tornando ainda mais
difícil procurar ajuda n’alguma funerária mais próxima (talvez em Armazém ou Imaruí...),
surgiu uma solução.
D. Albertina Militão Vitoreti, que
ajudou nas costuras e na Produção de Alimentação, ouviu aquela conversa,
percebeu a aflição delas, e lhes disse: “Calma,
meninas! Acho que posso ajudar vocês. O Grupo de Jovens de Armazém possui um
caixão que é usado em alguns eventos realizados aqui no Santuário. E, por graça
de Deus, o caixão está aqui, guardado num paiol, junto a uma estufa de fumo”.
Elas ficaram estupefatas e respiraram aliviadas, enquanto a D. Albertina
conseguia autorização para usar o tal ataúde.
Resolvido o problema, surgiu mais uma
questão, como narra a Diana Chris: “Decidimos
ir logo buscar o caixão, mas não tínhamos um veículo apropriado para isso. E
agora? Onde encontraríamos um carro devidamente espaçoso? Mesmo assim, as
meninas disseram: vamos lá ver onde está o caixão e daí buscaremos uma
solução”. Assim o fizeram.
Informadas pelos donos do paiol onde
estava o tal caixão, se deslocaram apressadas até o local, ali mesmo em São
Luiz. Lá chegando, procuraram-no num lado, e no outro... e mais para o outro
lado, em baixo das coisas, por cima delas, e nada... o paiol era enorme e cheio
de bugigangas e estrupícios! Então, foram até a Pousada onde estavam os atores.
Encontraram o Marcinho Gonzaga e o Lucas Bonfim e lhes pediram ajuda.
Os ‘wakanda
forever’, prestimosamente, logo vieram ajudar as moças. Com seus olhos
atentos de panteras e aguçado faro felino, eles acharam a peça envolvida numa
lona plástica preta: o caixão de madeira era novinho e parecia muito grande. Quando
perceberam que era um caixão de defunto de verdade, olharam pra elas,
intrigados: “Oh, mulherada, o que é que
vocês vão fazer com este caixão?”. Elas riram dos moços. Mas, tudo foi
explicado rapidamente, pois, era preciso resolver o problema do transporte.
Após um breve silêncio, a Diana disse,
enfática: “podem colocar aqui no
bagageiro; eu vou deitar o banco traseiro. A Elisabeth não ficará sem caixão!...”
As amigas lhe lembraram: “Mas, o teu
carro é novinho em folha! Como vais transportar um caixão aí dentro?”
Nestas alturas da jornada, em meio à correria para dar conta de todas as necessidades
da produção do filme, era preciso empenhar todas as forças e usar de muita
criatividade e improvisação.
Por sorte, o caixão coube dentro do
carro, mas não tinha como fechar o porta-malas. O Lucas (‘se achando!’)
prontamente se ofereceu: “Não se
preocupem. Tá de boa! Eu vou junto, segurando o caixão”. A atriz Elianne
Carpes apareceu no local, que já estava quase virando um ponto de aglomeração
de pessoas, e foi logo se manifestando: “Tudo
bem, meninas! Eu também ajudo vocês. Vamos!”, e entrou no carro, já
abraçando o ataúde.
Então, a peça mortuária foi trazida até
o Salão Comunitário de São Luiz, já transformado em Base Cinematográfica. O
desafio, agora, era transportá-la para a Vila Cenográfica, em Baixo Rio
Gabiroba, no interior de São Martinho, distante cerca de 20 km. Era urgente
deixar o caixão adaptado e pronto para as gravações do dia seguinte, tão logo o
Diretor o solicitasse.
Elas fizeram alguns telefonemas
solicitando auxílio; mas, todos sem êxito. Então, não encontrando um veículo
maior e fechado para o transporte da urna, mas imbuídas daquela coragem típica
das mulheres empoderadas, as nossas ‘Meninas Super Poderosas’ (como aquelas da
Cartoon NetWork) decidiram, elas mesmas, transladarem o caixão até a Vila.
A Sarah e a Elianne foram no bagageiro,
cuidando do ataúde. A Diana conduzia o automóvel. Ela narra o episódio: “fomos em baixa velocidade... Ríamos muito,
mas estávamos tensas. No trajeto, tivemos que parar na praça central da cidade
e passar em algumas lojas... Foi uma grande aventura!”
E contou mais, a Elsa Bühler do
ALBERTINA: “Nosso maior receio era nos
depararmos com os policiais. Como lhes explicaríamos aquilo ali? E o
porta-malas aberto? A cada solavanco por causa de uma lombada ou curva, era um
griteiro só. E mais risadas. Mas, tudo correu bem. A Polícia não nos abordou
naquele transporte perigoso e inusitado. Por fim, conseguimos chegar ao destino
e encaminhar a preparação do caixão para a filmagem”.
Se elas foram poupadas de dar explicações para as autoridades de farda, por obrigação moral e lealdade, decidiram explicar o fato ao dono do veículo, o Diego Wensing Fernandes, antes que ele soubesse por terceiros. O Diego, a propósito, trabalhou como Assistente de Produção e, como empresário, foi um dos patrocinadores do projeto. E também atuou no filme como ator.
É um homem de bom coração, mas ao tomar conhecimento do fato, exclamou:
“O que? Vocês transportaram um caixão de
defunto no nosso carro novo, zerado? Não, né? Então, arranharam o carro!” Depois
do desabafo, tudo acabou em muitas e boas risadas, fizeram juntos um lanche,
buscando recuperar as forças para o trabalho do dia seguinte.
E o ataúde? Bem, a Sarah e a Eliane
Lemos o recobriram com um tecido rendado e TNT pretos. Colocaram uma cruz de
tecido branco sobre a tampa. Deixaram descobertas as alças de metal douradas.
Agora, finalmente, a urna funerária de Elizabeth ficara pronta para brilhar no
filme.
Ah, após a gravação, o caixão foi transportado
para a Base de Produção, em São Luiz, na super-caminhonete do Sílvio César Nazário.
A propósito, ele também integrou a Equipe de Produção como Assistente e
Produtor de Set, quando o Abelardo Berkenbrock não pôde mais ajudar
diretamente. Sílvio também atuou no filme, fazendo o papel de ‘cagueta’ no
contexto da prisão do Maneco.
Ele já teve experiência com o mundo do
cinema antes, desde que ajudou na Produção de Alimentos no filme do Rodrigo
Amboni, em 2014, “A Noite”, que tratava de coisas sobrenaturais, entre outras...
Com seus cabelos crespos e compridos e sorrisão largo, uma coisa é certa: o
Sílvio não tem jeitão algum de motorista de funerária. Mas, se for pra ajudar:
é só chamá-lo!
Talvez este caixão tenha sido uma das
últimas peças a serem devolvidas aos seus donos, depois que as filmagens foram
concluídas. Um foi deixando pro outro, pois ninguém queria ficar transportando
uma urna funerária pra cá e pra lá. Mas, enfim, agora, também ela já descansa
em paz, assim como a motha Elizabeth
(Deus a tenha!)... até que o Grupo de Jovens decida usá-lo mais uma vez. Então,
o ‘caixão do filme’ voltará a cumprir seu papel sinistro.
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