Os cães aqui de
casa começaram a latir. Os dos vizinhos também. Logo ouvi a voz de alguém que
passava na estrada cantando “eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que
ter aquela velha opinião formada sobre tudo”. Eu reconheci esta canção que
embalou meus sonhos de jovem universitário. Era Raul Seixas que vinha à minha
mente com suas propostas de “Sociedade Alternativa”.
Então, corri até
a janela e vi o homem que passava: de altura mediana, pele clara, cabelos
escuros e longos, calça cinza e blusão preto... carregava nas costas um saco
com produtos recicláveis, que provavelmente achara nos lixeiros colocados
diante das residências... e vociferava: “seus covardes... seus m*... vocês são
todos uns covardes...” E os cachorros ladravam alvoroçados.
Prestei atenção
naquela cena. Eu não sei quais as bandeiras que aquele cidadão defendia e nem
contra quem ele estava vociferando. Tampouco sei o porquê de sua revolta, mas
percebi que era um homem livre... livre para gritar sua indignação!
Todos nós, nas
várias fases da vida, alimentamos um ou outro sonho. Com o tempo, vamos nos
conformando com o status quo e nos
adequando aos padrões sociais. E a vida se vai revelando do jeito como é: uma
sucessão de escolhas realizadas dentro de certo espaço de tempo. Nossas
escolhas podem nos fazer pessoas mais realizadas ou eternamente insatisfeitas.
Mas, segundo a
Antropologia Teológica, o homem foi criado por um Deus amoroso com a missão,
justamente, de amar. Então, o sonho mais profundo do ser humano e ser amado,
acolhido, aceito, integrado no meio social...
Aqueles
primeiros sonhos que sonhamos, não são de todo tolos e inocentes. Eles revelam
muito de nosso interior. Eles têm grande importância porque nos ajudam a
colocarmos metas (focos) para nossas escolhas. “É preciso sonhar para não
enlouquecer”, dizia alguém.
Mesmo que o
tempo vá passando, não podemos deixar de vislumbrar aquilo que é a nossa
essência. Crianças sonham. Jovens, adultos e idosos também. Os sonhos nos
mantêm vivos e não nos deixam cair no desânimo (sentir-se “sem alma”) e nem na
monotonia (perceber a vida com uma “cor única”). Então, quais sonhos têm
alimentado a nossa vida?
Quando se deixa
de contemplar o futuro com otimismo, vem o comodismo, que pode levar à tristeza
interior. A fé, que nos leva à oração e à prática do bem, sempre é o remédio
para a saúde da alma!
Na vida, vamos
passando por muitas transformações, isto é, “metamorfoses”. Não apenas
fisicamente vamos mudando, mas, também, na nossa compreensão da vida e da nossa
missão neste mundo.
Filhos e filhas
de Deus (que é o Imutável), devemos pedir a Graça de mudarmos sempre para
melhor. Isto é, para sermos mais amorosos, mais justos, mais sinceros, mais
solidários, mais comprometidos com o Reino de Deus... e, enfim, mais Santos!
Sim, a santidade deve ser um dos nossos sonhos... o mais essencial! Pois
estamos caminhando em direção ao Céu, onde nos lançaremos no seio divinal do
Pai.
O Papa Francisco
falou que é hora de promovermos a “cultura do Encontro”. Pois o nosso mundo
vive um período de profundas mudanças e fechamentos. É urgente fomentar sonhos
e ações que aproximem as pessoas umas das outras. Afinal, o outro não é meu
inimigo, mas companheiro. Certamente também tem seus sonhos! Podemos sonhar
juntos!...
Lembro-me
daquele homem que foi passando ali na rua. Não imagino o que ele trazia em seu
coração e nem quais os sonhos dele. Mas, com seu canto, seus gritos e seu
jeitão, ele comunicava suas verdades.
Ele me fez
pensar naquelas palavras de Jesus: “O que vos é dito ao ouvido, proclamai-o de
cima dos telhados” (Mt 10,27). Há uma Boa Notícia que precisa ser comunicada,
cantada, proclamada! Até nas “ilhas distantes e povos longínquos” (Is 49,1) e
“nos confins da terra” (At 1,8).
Na parábola do
Banquete do Reino, o Rei diz: “Saiam pelas estradas e atalhos e obriguem as
pessoas a virem aqui... para que a minha casa fique cheia” (Lc 14,21). A doce
obrigação é fruto da “revolução da ternura”, pois Deus quer “cuidar” de cada um
de nós. Quando nos afastamos dos sonhos
de Deus e de nossos sonhos mais profundos, nos desfiguramos. Por isso, Jesus
exortou: “olhai os lírios do campo...” (Mt 6,28).
Os cachorros se
acalmaram. Mas há muitos movimentos dentro de mim: o que fiz de meus sonhos e
dos sonhos de Deus para mim?
Pe. Auricélio
Costa
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