IARA – UMA EXPERIÊNCIA DE FRATERNIDADE



Não houve ninguém em toda a região que não ficasse sabendo do desaparecimento da Iara. O nome pode nos remeter a uma imemorial lenda dos povos que vivem à beira dos rios amazônicos.
Conta-se que uma linda moça sofreu muito nas mãos de seus irmãos que, por inveja, decidiram matá-la. Mas, sábia e guerreira, ela os liquidou antes. Raivoso, seu pai a jogou no rio. Os peixes a protegeram e a transformaram numa sereia muito bela que seduzia homens...
A nossa Iara não é uma sereia, evidentemente. Tem apenas dois anos de idade. Mas se tornou motivo de grande consternação, aflição e solidariedade pela experiência que viveu. Naquela tarde de junho, num átimo de tempo, a criança de dois anos saiu de dentro do caro da família, acompanhada de dois cãezinhos, enquanto a mãe recolhia para a cozinha algumas mercadorias trazidas do mercado. Em minutos, a criança e animais haviam desparecido.
Mais de uma centena de profissionais e voluntários fizeram buscas pela menina. Sua residência situa-se no interior de Imaruí, entre córregos, barrancos, montes e floresta. A imprensa e as redes sociais logo chamaram a atenção da comunidade para o ocorrido. Rapidamente uma rede de solidariedade foi se formando por todo lado: pessoas querendo ajudar, deslocando-se até o local; outras promovendo corrente de orações e promessas; outros tentando entender o que tinha acontecido...
As horas foram passando rapidamente, sem que alguma pista do paradeiro de Iara. Os pais da criança estavam desesperados. A noite chegou. A mais fria do ano até então. Tudo ficou escuro... um breu só! Alguns corações mergulharam nas sombras do desespero; enquanto outros se enchiam da luz da esperança. Muita gente rezando, suplicando, torcendo... aguardando por uma boa notícia. Mas ela não chegava nunca!
O que aconteceu com a criança? E com os animais? Policiais, bombeiros, voluntários, parentes, cães farejadores... Nada! Amanheceu, enfim, o dia. A mãe publicou um áudio: “Minha menina ainda a não foi encontrada. Por favor, rezem”. Finalmente, pelas 10:45h, gritos e choros irrompem o silêncio lá nos morros de São Tomás: “Encontraram a criança; e ela está bem!”.
Foi muito emocionante. Muitas lágrimas lavaram o sufoco que angustiava toda a população. Iara foi entregue aos abraços e beijos aliviados dos pais e do seu irmãozinho. Glórias a Deus, Ave-Marias e aplausos se puderam ouvir.
A recordação deste fato tem um objetivo: engendrar dentro de nosso coração a consciência de que somos dotados de uma enorme capacidade de solidariedade. Somos seres sociais. E somos capazes de gestos e atitudes gigantescas para defender uma vida.
Como temos visto por aí, as pessoas podem se solidarizar com os sofredores por motivos vários. Mas os cristãos, não. É da natureza cristã ver o outro como companheiro de caminhada, como irmão e habitação de Deus. É o amor que move os cristãos em direção dos outros. Para que? Para servi-los, ajudá-los, amá-los, acolhê-los, promovê-los...
Foi assim que Jesus nos ensinou: “Vós sois todos irmãos” (Mt 23,8). Este foi o lema da Campanha da Fraternidade de 2018, convidando-nos à superação de todo tipo de violência.
E o Papa Francisco, antes, em 2014, na Mensagem para o Dia Mundial da Paz, explicava que “a fraternidade é uma espiritualidade vivida em dinâmicas e práticas... dá sentido e dignidade ao dom da vida. A fraternidade não é simples questão de lógica. É uma espiritualidade cuja raiz tem seu nascedouro na compreensão e vivência da paternidade de Deus”.
Compreender assim a importância dos outros ao nosso redor é força transformadora das relações entre os seres humanos. Francisco diz: “Não se imagina mais que a construção da sociedade aconteça ou possa depender simplesmente de articulações político-partidárias, de logística ou simplesmente de investimentos”. É preciso promover a humanização das dinâmicas da sociedade para superar as distâncias criadas entre os corações. Eis o anseio de fraternidade a ser cultivado, aprendido, exercitado!
O Cristianismo continua a apontar para caminhos diversos dos que são apresentados pela sociedade de consumo, de individualismo, de materialismo, de exclusão.
Ser “Igreja em saída”, como tem nos exortado o mesmo Papa, é ir em direção não de desconhecidos, mas de irmãos e irmãs para compartilhar um pouco de amor, de fé, de ternura... enfim, da misericórdia de Deus!
É preciso construir redes para a promoção do bem e da fraternidade. À luz da fé podemos somar saberes, vivências, ideias!... Não devemos nos unir somente em ocasiões especiais de tragédias e dor. É preciso estarmos sempre dispostos a colaborar com o outro, a proteger e promover a vida, a amenizar a dor. Jesus nos ensina a estarmos sempre a serviço do próximo. Isso é ser Igreja! Isso é ser cristão! Isso é ser humano! Essa é a nossa missão!
A Iara que, segundo a lenda, vive nas profundezas dos rios amazônicos brasileiros, usa de seus atributos para seduzir e matar pessoas. A nossa pequena Iara, lá de Imaruí, trouxe para todos nós um sabor sublime do quanto é bom sermos solidários e fraternos, rezarmos juntos e confiarmos em Deus!

Pe. Auricélio Costa

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