No litoral da África Ocidental sub-saariana, no
interior da Guiné-Bissau, encontra-se um pequeno vilarejo, que é um verdadeiro oásis:
Mansôa. O povo mansuanca que habita aquelas plagas arenosas constrói histórias
de amor, de superação, de sobrevivência e de profunda religiosidade.
No centro da vila se encontra a pequena igreja e,
logo ali adiante, a Missão Católica onde vivem os padres missionários. Quem
adentra a pobre e acolhedora residência logo se depara com uma plaqueta de
madeira pendurada na parede onde escreveram em italiano: “Lembra-te que haverás
de morrer!” (“ricordate che devi morire”).
É coisa do Pe. Davide Sciocco, que não a deixa passar despercebida: “todos os
dias, quando me levanto, leio esta frase; e ela me faz muito bem”!
A morte faz parte da vida, tanto quanto o viver.
Sim, a gente tem consciência de que nossa peregrinação por esta existência é
passageira e é única, por mais intensa e instigante que seja a aventura de
viver. O tempo de vida também é relativo. Bom seria vivermos como Matusalém, o
personagem bíblico com maior longevidade: 969 anos (cf. Gn 5,27). Mas não é
Kronos (o deus grego do Tempo) quem nos governa e, sim, Javé, o nosso Verdadeiro,
Único e Eterno Deus. Fundados na fé podemos afirmar que fomos feitos para a
eternidade. E é com esta certeza que devemos caminhar nestes dias de finitude
aqui na Terra.
“Lembra-te que haverás de morrer!” é uma frase do
filme italiano de comédia “Só nos resta chorar”, de 1984. É proferida por um
religioso ao abordar as pessoas. Porém, a frase não termina aí; há uma segunda
sentença: “... mas não te esqueças de viver” (“... ma nom scordati di vivere”).
O cristão, por graça batismal, é chamado a viver não
apenas para não morrer; mas para viver pra sempre. O mergulho na água do Batismo
nos marcou indelevelmente para a Vida. São Paulo explica: “se com Cristo
morremos, com Ele ressuscitaremos” (Rm 6,8). Portanto, pelo Batismo fomos
gerados novas criaturas: “... se alguém está em Cristo,
nova criatura é. As coisas antigas já passaram; eis que surgiram coisas novas!”
(2Cor 5,17).
Todos os anos, na noite do Sábado Santo, a
escuridão é rompida pela luz do Círio Pascal. O rito belíssimo põe o fiel de
encontro com sua realidade mais profunda, tanto natural quanto sobrenatural. De
fato, a morte é uma realidade inquestionável, mas a vida nova é o nosso futuro
mais seguro.
Por isso, com a velinha acesa na mão, junto ao
tanque (ou outro recipiente) com água benta, o crente renova o seu compromisso
batismal. Agora, como discípulo-missionário, ele deverá testemunhar sua mais
nobre vocação: anunciar Jesus Ressuscitado e presente entre nós!
A morte está no nosso horizonte, mas é para a vida
que nós fomos criados amorosamente. É preciso viver! E viver não apenas “gastando
os dias”, nem se ocupando com atividades vãs quaisquer.
Viver é “dar sentido” a tudo o que se faz e a tudo
o que se vivencia. Então, trabalhar e se divertir, lutar e descansar, perder e
encontrar... isso é viver! Também conviver e partilhar, doar-se e amar, sofrer
e morrer... tudo será “viver”!... viver com um sentido!
Assim como o salmista podemos rezar sempre: “Ensina-nos a contar os nossos dias para que o nosso coração
alcance sabedoria” (Sl 90,12). Viver para estar em comunhão com Deus, a suprema
Sabedoria, é um belo sentido de vida. Mas é no testemunho de São Paulo que
encontramos uma razão para nossa existência: “Para mim, o
viver é Cristo, e o morrer é lucro” (Fil 1,21).
No
dia-a-dia o cristão se depara a todo instante com a fragilidade de sua
existência. A possibilidade de morrer sempre parece tão óbvia e cristalina, que
muitos vivem sempre em uma espécie de paranoia. De fato, a vida é muito frágil
e a morte fica sempre a nos rondar.
Esta
consciência deveria nos levar a querermos aproveitar melhor cada instante de
vida. Assim, poderíamos viver mais intensamente nossos afetos e afeições,
nossos projetos e expectativas, nossas verdades e buscas.
Talvez
possa nos ajudar o famoso poema “Desiderata” (“as coisas desejadas”), do
filósofo e advogado norte-americano Max Ehrmann (1927). “Siga tranquilamente entre a inquietude e a pressa,
lembrando-se que há sempre paz no silêncio. Tanto quanto possível, sem
humilhar-se, viva em harmonia com todos os que o cercam. Fale a sua
verdade mansa e calmamente e ouça a dos outros, mesmo a dos insensatos e
ignorantes – eles também têm sua própria história. Se você se comparar com os outros, você se tornará
presunçoso e magoado, pois haverá sempre alguém inferior e alguém superior a
você. Viva intensamente o que já pode realizar. Você é filho do Universo, irmão
das estrelas e árvores. Você merece estar aqui e mesmo que você não possa
perceber a terra e o universo vão cumprindo o seu destino.”
Chamados
a viver cada dia a experiência pascal, não podemos deixar de pensar sobre nossa
finitude; porém, sem nos esquecermos de viver o momento presente, já
vislumbrando tudo o que Deus preparou pra nós em Sua Casa.
“Lembra-te que haverás de morrer!... mas não te
esqueças de viver!” E Jesus nos ajuda a vivermos bem através da “regra de
ouro”: “façam aos outros o que vocês querem que eles lhes façam”
(Mt 7,12).
Bem, eu já nem sei se aquela plaquinha ainda continua exortando
as pessoas lá em Mansôa. O que sei é que ela sempre nos ajuda a aproveitarmos
bem cada instante de nossa existência!
Pe. Auricélio Costa – Jornal
Diocese em Foco/Abril/2019
0 Comentários