A NECESSIDADE DE CONTEMPLAR O CRIADOR




Quem passa pelo Posto da Polícia Rodoviária Estadual em Pouso Alto, no município de Gravatal (SC-438) pode acompanhar o número de dias sem acidentes fatais naquele trecho da rodovia. Um painel foi colocado há alguns anos bem à vista dos motoristas e demais transeuntes. Nos últimos tempos temos observado que o número dificilmente chegava à casa dos três dígitos. Mas, felizmente, nos meses de novembro de 2017 a fevereiro de 2018 chegamos a ter mais de 150 dias sem acidentes fatais naquela via!
Não é sobre os desafios do trânsito em nosso país que eu gostaria de refletir. Embora não se possa fechar os olhos às mais de 47 mil mortes no trânsito no último ano, além das mais de 400 mil pessoas que ficaram com sequelas... e um ônus pro Brasil na casa dos 56 bilhões de reais.
Os carros com motores cada vez mais potentes e velozes, os celulares com Operadoras que oferecem serviços instantâneos, as enxurradas de informações que são despejadas sobre nós cada dia... são reflexos de uma realidade que tem mexido com nossas vidas. O que eu proponho é uma reflexão sobre o tempo de viver e sobre como viver (ou sobreviver) neste tempo!
Esta tal velocidade é uma metáfora da necessidade que o ser humano tem de querer viver todas as emoções e sensações possíveis, de tudo desfrutar e gozar ao seu bel prazer... Em meio a tudo isso há um grande perigo: perder completamente o sentido de sua existência, afastando-se da sua essência, isto é, do seu Criador.
A maioria de nós ainda é daqueles que não conseguem acompanhar as inúmeras revoluções que acontecem em todas as áreas da Ciência e da vida humana. Temos a impressão de que o tempo vai passando cada vez mais rápido e sentimo-nos cobrados em dar respostas às exigências que nos vêm de todos os lados. Viver tornou-se um dilema... um desafio... um fardo. Muitos desistem de lutar e tentam passar os dias à margem de tudo; enquanto outros desistem de viver, fazendo aumentar o número de suicídios ano após ano.
O ser humano vai se afastando do essencial, e perde o gosto de sua existência. O que fazer? É urgente aprendermos (ou reaprendermos) a contemplar a Criação.
Numa de suas famosas Catequeses (09/11/2015), o Papa Bento XVI explicou que “todo ser humano é capaz de encontrar a Deus através da Criação, cuja grandeza e beleza leva a pessoa a contemplá-Lo”. E citava o Salmo 135/136, o “Grande Hallel” dos judeus entoado durante a Páscoa. Nele Deus se apresenta “como uma Pessoa que ama as suas criaturas, vela sobre elas, as segue no caminho da história e sofre pela infidelidade do povo a seu Amor misericordioso e paterno”.
Diante de tanta correria e incertezas, ensinava o atual Papa emérito, que o homem precisa aprender “a dar graças a Deus pelo esplendor e (pela) beleza das maravilhas que (Ele) nos deu para contemplar na Criação e nas obras dos homens”.
Mais tarde, em 19 de Outubro de 2011, noutra Catequese vespertina, Bento XVI retorna ao tema e diz que o Grande Hallel “provavelmente foi rezado também por Jesus na última Páscoa, celebrada com os discípulos”. Os evangelistas assim registraram: “Depois de cantar os Salmos, saíram para o horto das Oliveiras” (Mt 26,30; Mc 14,26). É muito bom imaginarmos Jesus cantando o refrão do referido Salmo: “porque o Seu amor é para sempre”; ou noutra versão: “porque a Sua misericórdia é eterna”. Certamente este louvor deve ter iluminado o coração de Jesus no caminho difícil do Gólgota.
Jesus e os apóstolos cantaram os numerosos prodígios de Deus na história dos homens e as suas intervenções contínuas a favor do seu povo! O Papa explicou que precisamos proclamar o Amor de Deus em todas as situações: “um amor eterno... um amor que, segundo o termo hebraico utilizado (‘hesed’), exige fidelidade, misericórdia, bondade, graça e ternura”.
Não podemos perder a certeza de que Deus, o Senhor do tempo, caminha ao nosso lado. E que, com Ele, nós somos fortes! Diante do turbilhão de sentimentos que perpassam nosso interior, cabe-nos fazer a “memória” da bondade do Senhor, do Seu poder, de que a Sua misericórdia é válida e dura para sempre! Esta memória torna-se força da nossa esperança.
Recordarmos que Deus existe e que tudo providencia para o bem de Seus filhos e filhas pode nos ajudar a termos equilíbrio diante dos apelos da vida cotidiana. Na prática, é salutar tirar um tempo para caminhar despreocupadamente na praça, ou na praia, ou no interior... respirar conscientemente... deliciar um alimento calmamente... ler um bom livro... ouvir com prazer algumas canções... sentir o silêncio, o vento, o sol... encontrar pessoas... rezar o terço... Bem, a lista é longa! É preciso reservar tempo para contemplar!
Nas nossas rodovias os veículos continuam a transitar velozmente... E o painel contabilizando os dias sem mortes no trânsito continua sendo atualizado diariamente pelos policiais rodoviários.
De modo geral, a sociedade continua a exigir que sejamos “velozes” nas decisões a tomar, nos modismos a assimilar, nas tarefas a serem feitas... Mas não podemos perder a noção de que somos de Deus, fazemos parte da Criação, fomos criados para viver em comunidade! E que Deus é o sentido da nossa vida! Ele é Amor e Misericórdia!

Pe. Auricélio Costa – Reitor do Santuário de Albertina – Abril/18

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