CRIANÇAS PRECISAM VIVER


 
Há um clima de festa no ar. O quarto dos jovens pais está mais colorido, alegre e, além dos móveis tradicionais deste ambiente, encerra, mais ao lado, uma caminha de bebê. A sensação de expectativa alimentada por anos faz aumentar a ansiedade da espera de alguém muito importante: mais um filho para o casal! Armários guardam montanhas de fraudas descartáveis e outros produtos que ajudarão a cuidar e a lidar com o novo habitante. Em tudo se percebe muito carinho e ternura.
Tenho visto muitas vezes essa cena... em minha própria família, sendo o primeiro de sete filhos e tio de muitos sobrinhos! Gostaria de ter visto somente isso, cenas de tanta beleza. Mas, infelizmente, não.
Diariamente, os noticiários testam nossa resistência humana e nossa fé ao nos apresentarem uma enxurrada de notícias em que as crianças são desprezadas pela sociedade e vítimas de inúmeros descasos.
Criança precisa nascer... precisa viver... e crescer cercada de cuidados e afetos. Criança precisa sentir o calor do colo do pai e da mãe e dos demais familiares... Criança precisa ser tocada... instigada a rir, a se manifestar, a se relacionar, a interagir... Criança precisa que lhe façamos “cosquinhas”, que lhe façamos “caras e bocas”, que se cante pra ela, que se “converse” com ela... precisa ouvir “meu amorzinho”, “lindinha”, “fofinha”, “anjinho”, “coisinha do pai e da mãe”... Criança precisa de total atenção e cuidado, de que se tente aprender sua linguagem, que haja silêncio e respeito... Criança precisa da bênção dos pais e dos avós e dos padrinhos... precisa de amor!
Criança não deveria morrer! É vida em plenitude! Cercada de sonhos, esperanças, possibilidades, promessas!... É por isso que o Mestre de Nazaré quis também ser criança, nascendo em Belém. Não dispensou a presença de um pai humano, mesmo que adotivo. Até nisso Ele quis revelar a necessidade de o pai tenha um amor maior para poder cuidar de uma criança. E quando, ao seu redor, a força da morte derramava sangue pueril de tantos outros inocentes (Mt 2,16), é nos braços dos pais que Ele se refugia no Egito, onde outrora seus antepassados haviam penado a escravidão. Mas Ele é livre... e se revelará o verdadeiro Libertador (Lc 4,18-19).
Educado com esmero pela “maior educadora do mundo” – pois fora escolhida para educar o Rei dos Reis (o Messias e Filho do Homem), e por um carpinteiro “bom e justo”, Jesus aprendeu no seio familiar a importância da religião e da pertença a um povo escolhido por Deus. Assim descobriu que era filho do Pai do Céu e com o Qual deveria estar sempre “ocupado” (Lc 2,49).
Quando percebeu que os apóstolos estavam impedindo que as crianças se aproximassem d’Ele, repreendeu-os: “deixem que venham a mim as crianças, porque delas é o Reino dos Céus” (Mt 19,14). Que festa devem ter feito aqueles pequeninos, desfrutando da atenção exclusiva do Mestre que, certamente, lhes contou algumas histórias fascinantes!
Criança precisa ser amada, ouvida, educada no amor, com amor e para o amor. Isso me faz lembrar certo padre formador de nosso Seminário. Ele gostava de deixar sempre à mostra sobre a sua escrivaninha a seguinte frase: “quem ama educa”. Sim, educar, mas como gesto de amor.
No afã de preparar seus discípulos para serem testemunhas do Amor maior em todos os recantos do mundo, Jesus lhes deu o exemplo: “amou-os até o fim” (Jo 13,1). Mas quando percebeu que estavam se enciumando, discutindo sobre quem deles seria o mais importante e outras mesquinharias, o Mestre tomou novamente uma criança no colo e a colocou no meio deles. O ensinamento é direto e comprometedor: “quem quiser ser o maior e entrar no Reino seja como esta criança” (Mt 18,1-5). Jesus coloca a criança no centro e põe de lado outras intenções mundanas.
Criança não pode morrer nem padecer nas grandes guerras lá fora e nem naquelas guerras do nosso cotidiano. Nem sob a ação de milícias que causam terror nas cidades e bairros; tampouco por causa dos desmandos governamentais que cortam políticas públicas que deveriam proteger os “pequenos filhos da pátria, mãe gentil”.
Somente uma sociedade doente pode conviver normalmente com ondas e propagandas pró-aborto, achar normal que crianças cresçam sem pais ou com protótipos de pais, criminalizar a mãe que abandona um rebento na lata de lixo, continuando a incentivar a promiscuidade sexual cada vez mais em tenra idade...
Criança precisa conhecer limites, normas, direitos e deveres... Mas, sobretudo, criança precisa viver para crescer e ocupar seu lugar no mundo. Pois, como acreditamos, Deus tem um projeto de amor para cada pessoa. E ninguém vem ao mundo (mesmo que por alguns segundos) sem que haja uma razão divina.
Toda criança deveria ser recebida neste mundo com muito amor. Uma família, um berço... uma festa! Pois, cada criança, é um sorriso de Deus para nós! Precisamos deixar Deus sorrir mais!


Pe. Auricélio Costa

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