Ela chegou até mim e foi logo intimando:
“preciso conversar com o senhor”. Fomos até um lugar mais apropriado da nave da
igreja e pus-me a ouvir sua história. Contou-me que os graves e constantes
desentendimentos fizeram sua família adoecer... Então ela desabafou: “Eu já
disse pro meu pai que o perdoava; mas, na verdade, eu não o perdoei aqui dentro
de mim e estou morrendo”!
Famílias feridas e corações moribundos
existem aos montes. Situações similares à historinha podem ser encontradas em
qualquer lugar. Vivemos num mundo em que as pessoas se fecham em si mesmas
(“ensimesmando-se”), se colidem umas com outras (machucando-se), criam
barreiras afetivas (quando não também físicas e estruturais) que as distanciam,
criam mundos fictícios (surreais) para fingirem ser felizes... e acabam
perdendo o sentido real da sua existência.
Se o quadro lhe parece por demais
pessimista é porque você sabe (e sente!) que o projeto de Deus para o ser
humano é bem outro. Fomos criados para viver em comunhão! A discórdia e o ódio
fazem mal ao nosso coração! O egoísmo e o materialismo não respondem às nossas
questões existenciais mais genuínas. Nosso ‘DNA espiritual’ nos leva à busca da
felicidade, da boa convivência, da vida digna... Viemos de Deus!... e Ele nos
fez “à Sua imagem e semelhança”! Ficamos fatalmente doentes quando nos
afastamos d’Ele e dos seus caminhos. E se nos conformamos com o estado doentio
(e nos resignamos) é porque, realmente, de fato, estamos muito doentes.
Este Ano Jubilar da Misericórdia está
chegando ao seu ocaso. As Portas Santas espalhadas pelo mundo serão cerradas.
Milhares de pessoas “passaram” pelas quatro Portas abertas em nossa Diocese.
Catedral, Laguna, Rio Fortuna e o Santuário de Albertina (São Luiz) foram
símbolos eloquentes de que Deus continua a nos atrair para junto de Si, a fim
de nos restaurar, de nos refazer... E também de que há muita gente precisando
de “mudar” sua maneira de viver, ou de como encarar as dificuldades...
Em Lucas 8,1-11 encontramos o episódio
daquela mulher condenada à lapidação (morrer à pedradas) depois de ter sido
surpreendida em adultério. Ela foi
levada até Jesus. Queriam que Ele desse um parecer sobre a determinação da Lei
mosaica. “Quem não tiver pecados atire a primeira pedra”, disse. Já sabemos o
que aconteceu. E à mulher livre da condenação Ele disse: “Tampouco Eu te
condeno. Vai, e de hoje em diante, não peques mais”!
A cena é tensa... e a fala de Jesus é
desconcertante. Atualizando o texto, sabemos que somos todos testemunhas
vivenciais das escolhas que nossa sociedade hodierna tem feito. Talvez,
testemunhas e cúmplices. Temos responsabilidade, por exemplo, pela devastação
da nossa Casa Comum, achando que os recursos naturais nunca se extinguirão.
Tornamo-nos coniventes com um estilo de vida consumista e injusto. E pensamos
que os conflitos bélicos e genocidas do planeta pouco têm a ver conosco.
Mas, há outra maneira de viver! O estilo
de Jesus: a misericórdia! É o amor que nos capacita para perdoar, buscando
compreender as muitas facetas da mesma realidade. É ele que nos permite ver um
irmão, onde todos enxergam “um monstro”.
O Ano Santo terminará, mas permanecerá o
compromisso de “santificar todos os anos”. A Porta Santa será fechada, mas “as
portas” de nossa Igreja e as de nossos corações precisarão permanecer escancaradas
para acolher quem chegar, quem voltar, quem precisar!
Aquela pessoa que me procurou lá na
igreja, ao “passar” pela Porta Santa percebeu que precisava abrir mais espaço
dentro dela mesma para que pudesse perdoar seu pai. A falta de perdão a sufocava.
Para ela, a Porta Santa não foi apenas um símbolo. E, com a graça da
Misericórdia de Deus, ela trilhará caminhos que a farão ser misericordiosa
também. E, então, ela terá paz, será feliz e o Reino de Deus estará crescendo
naquele lar.
Pe. Auricélio Costa
Pároco e Reitor do Santuário
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