(21/04/2015) A CNBB, durante sua
Assembleia Geral, publicou algumas de suas reflexões sobre o momento social
delicado que vivemos no Brasil. O texto começa citando Mc 10,43: “Entre vós não deve ser assim” . Abaixo
o conteúdo da Nota.
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, reunida em sua 53ª
Assembleia Geral, em Aparecida-SP, no período de 15 a 24 de abril de 2015,
avaliou, com apreensão, a realidade brasileira, marcada pela profunda e
prolongada crise que ameaça as conquistas, a partir da Constituição Cidadã de
1988, e coloca em risco a ordem democrática do País. Desta avaliação nasce
nossa palavra de pastores convictos de que “ninguém pode exigir de nós que
releguemos a religião para a intimidade secreta das pessoas, sem qualquer
influência na vida social e nacional, sem nos preocupar com a saúde das
instituições da sociedade civil, sem nos pronunciar sobre os acontecimentos que
interessam aos cidadãos” (EG, 183).
O momento não é de acirrar ânimos, nem de assumir posições revanchistas
ou de ódio que desconsiderem a política como defesa e promoção do bem comum. Os
três poderes da República, com a autonomia que lhes é própria, têm o dever
irrenunciável do diálogo aberto, franco, verdadeiro, na busca de uma solução
que devolva aos brasileiros a certeza de superação da crise.
A retomada de crescimento do País, uma das condições para vencer a
crise, precisa ser feita sem trazer prejuízo à população, aos trabalhadores e,
principalmente, aos mais pobres. Projetos, como os que são implantados na
Amazônia, afrontam sua população, por não ouvi-la e por favorecer o
desmatamento e a degradação do meio ambiente.
A lei que permite a terceirização do trabalho, em tramitação no
Congresso Nacional, não pode, em hipótese alguma, restringir os direitos dos
trabalhadores. É inadmissível que a preservação dos direitos sociais venha a
ser sacrificada para justificar a superação da crise.
A corrupção, praga da sociedade e pecado grave que brada aos céus (cf.
Papa Francisco – O Rosto da Misericórdia, n. 19), está presente tanto em órgãos
públicos quanto em instituições da sociedade. Combatê-la, de modo eficaz, com a
consequente punição de corrompidos e corruptores, é dever do Estado. É
imperativo recuperar uma cultura que prima pelos valores da honestidade e da
retidão. Só assim se restaurará a justiça e se plantará, novamente, no
coração do povo, a esperança de novos tempos, calcados na ética.
A credibilidade política, perdida por causa da corrupção e da prática
interesseira com que grande parte dos políticos exerce seu mandato, não pode
ser recuperada ao preço da aprovação de leis que retiram direitos dos mais
vulneráveis. Lamentamos que no Congresso se formem bancadas que reforçem o
corporativismo para defender interesses de segmentos que se opõem aos direitos
e conquistas sociais já adquiridos pelos mais pobres.
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215/2000, por exemplo, é uma
afronta à luta histórica dos povos indígenas que até hoje não receberam
reparação das injustiças que sofreram desde a colonização do Brasil. Se o prazo
estabelecido pela Constituição de 1988 tivesse sido cumprido pelo Governo
Federal, todas as terras indígenas já teriam sido reconhecidas, demarcadas e
homologadas. E, assim, não estaríamos assistindo aos constantes conflitos e
mortes de indígenas.
A PEC 171/1993, que propõe a redução da maioridade penal para 16 anos,
já aprovada pela Comissão de Constituição, Cidadania e Justiça da Câmara,
também é um equívoco que precisa ser desfeito. A redução da maioridade penal
não é solução para a violência que grassa no Brasil e reforça a política de
encarceramento num país que já tem a quarta população carcerária do mundo.
Investir em educação de qualidade e em políticas públicas para a juventude e
para a família é meio eficaz para preservar os adolescentes da delinquência e
da violência.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, em vigor há 25 anos, responsabiliza
o adolescente, a partir dos 12 anos, por qualquer ato contra a lei,
aplicando-lhe as medidas socioeducativas. Não procede, portanto, a alegada
impunidade para adolescentes infratores. Onde essas medidas são corretamente
aplicadas, o índice de reincidência do adolescente infrator é muito baixo. Ao
invés de aprovarem a redução da maioridade penal, os parlamentares deveriam
criar mecanismos que responsabilizem os gestores por não aparelharem seu
governo para a correta aplicação das medidas socioeducativas.
O Projeto de Lei 3722/2012, que altera o Estatuto do Desarmamento, é
outra matéria que vai na contramão da segurança e do combate à violência. A
arma dá a falsa sensação de segurança e de proteção. Não podemos cair na ilusão
de que, facilitando o acesso da população à posse de armas, combateremos a
violência. A indústria das armas está a serviço de um vigoroso poder econômico
que não pode ser alimentado à custa da vida das pessoas. Dizer não a esse poder
econômico é dever ético dos responsáveis pela preservação do Estatuto do
Desarmamento.
Muitas destas e de outras matérias que incidem diretamente na vida do
povo têm, entre seus caminhos de solução, uma Reforma Política que atinja as
entranhas do sistema político brasileiro. Apartidária, a proposta da Coalizão
pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas, da qual a CNBB é
signatária, se coloca nessa direção.
Urge, além disso, resgatar a ética pública que diz respeito “à
responsabilização do cidadão, dos grupos ou instituições da sociedade pelo bem
comum” (CNBB – Doc. 50, n. 129). Para tanto, “como pastores, reafirmamos
‘Cristo, medida de nossa conduta moral’ e sentido pleno de nossa vida” (Doc. 50
da CNBB, Anexo – p. 30).
Que o povo brasileiro, neste Ano da Paz e sob a proteção de Nossa
Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil, supere esse momento difícil e persevere
no caminho da justiça e da paz.
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