FILME ‘ALBERTINA’ – BEM ALÉM DE HISTÓRIAS DE LÁPIDES E CEMITÉRIOS

Produtora busca figurantes para gravação de filme sobre beata Albertina


(12/09/2020)

Eu prometo que não vou estranhar se você me disser que gosta de visitar cemitérios e ficar perambulando entre os jazigos, lendo as inscrições das lápides. Afinal de contas, existem muitas pessoas que sempre incluem em suas viagens, visita aos cemitérios alhures.

Pra falar a verdade, eu também gosto deste negócio. E sei que há empresas de viagens especializadas em turismo cemiterial, oportunizando aos seus clientes visitarem túmulos de famosos.

De fato, os cemitérios contém muitas histórias e estórias. Algumas macabras, outras dramáticas e algumas cômicas também. Eles encerram conhecimentos, especialmente por sua localização, formato, arquitetura, estética, roll de famosos ali sepultados... etc e tal.

Afinal de contas, não é isso o que buscamos quando sonhamos em visitar as famosas Catacumbas de S. Calixto, na Via Apia Antiga, lá em Roma? Ou as tumbas dos Papas, na interessantíssima cripta sob a Basílica de São Pedro, no Vaticano? Ou o mausoléu da Lady Di, a Princesa Diana, da Inglaterra? E o Santo Sepulcro, quem não gostaria de visitá-lo? E, o que dizer das pirâmides dos faraós e nobres do Antigo Egito ou, cá em nossa Ameríndia, das tumbas dos astecas e maias? Ou dos nossos cemitérios indígenas, quando os cadáveres eram guardados em urnas de barro, como temos em nossos sambaquis, que persistem também aqui em Imaruí, em Jaguaruna e em vários sítios catarinenses?

Bem, acabamos de produzir o longa-metragem ALBERTINA. A história da ‘Santinha’ de Imaruí está sendo mostrada para amantes da Sétima Arte no mundo inteiro. Muitos, certamente, estão se emocionando com o testemunho de fé de Albertina Berkenbrock, reconhecida pela Igreja Católica como Virgem e Mártir, modelo dos cristãos.

Comprovadamente, a moça viveu para servir as pessoas e a Deus, colocando em prática todos os ensinamentos religiosos que recebeu ainda no seio familiar.

Destacou-se dentre os seus coetâneos e contemporâneos, a ponto de conservarem viva a sua lembrança até hoje. Há décadas que seus devotos promovem romarias a São Luiz, vila onde ela nasceu, no distante ano de 1919.

Sua morte bárbara e sangrenta, ocorrida na tarde do dia 15 de junho de 1931, após lutar tenazmente para não ser estuprada (e não o foi!) e nem ofender seus princípios religiosos, ainda atrai muitas pessoas ao local do martírio e ao túmulo onde foi sepultada.

Aliás, visitar os túmulos de pessoas que deixaram um legado de fé, como santos e mártires, através de romarias e peregrinações, é um recomendado ato de fé cristã.

Alguns anos após a morte de Albertina, o Pe. Henrique Sebastião Rademacker (que lhe entregou a Primeira Eucaristia e presidiu suas exéquias) mandou colocar uma lápide sobre o jazigo da moça. Nela se podia ler uma poesia em homenagem à mártir:


“Albertina imitou de Inês o heroísmo.

Sem mancha guardou sua veste de batismo.

Seu grito angustioso pelos montes ecoou.

O ferro do criminoso a vida lhe ceifou.

A heroína expirou a lutar por Jesus.

No grotão se chantou, por sinal, uma cruz.

Albertina ilibada, coroada mártir nos Céus,

sede nossa Advogada na hora do eterno adeus!”


(Observação: ‘chantou’ significa ‘plantou de estaca’) Mais adiante, outra lápide foi acrescentada à sepultura: “Aqui jazem os restos mortais de Albertina Berkenbrock. Rogai pela beatificação de Albertina”.

Hoje, como fruto do primeiro Centenário de Nascimento da Beata, celebrado no ano passado, um novo monumento exequial foi construído no local onde ela foi sepultada. Todavia, os seus restos mortais descansam no interior do Santuário construído em sua homenagem.

Lápide é uma palavra latina para designar ‘lápis’. Trata-se, portanto, das inscrições feitas em pedras e colocadas junto aos túmulos. Geralmente, dão informações sobre o falecido, ou palavras para homenageá-lo. Podem conter símbolos e mensagens religiosas e afetivas.

A Arqueologia Histórica se dedica a estudar estas inscrições tumulares. Tais epígrafes, também chamadas de epitáfios, revelam um desejo da pessoa morta ou um desejo dos vivos com relação ao falecido.

De modo geral, expressam, preferencialmente, as virtudes. Na sepultura de Elvis Presley, a lenda do rock, morto em 1977, por exemplo, lê-se uma mensagem do seu pai: “Foi um presente precioso de Deus... e agradecemos a Deus por nos dar você como filho”. O epitáfio de Frank Sinatra, cantor, ator e produtor, falecido em 1998, é: “O melhor ainda está por vir”. Sobre o túmulo de Martin Luther King, assassinado em 1968, lê-se: “Finalmente, livre. Obrigado, Todo Poderoso Deus, estou, finalmente, livre”. O epitáfio colocado sobre o jazigo do Papa São João Paulo II, falecido em 2005, diz apenas: “Santo”.

Mas há alguns epitáfios que são bem hilários, como: “Bom esposo, bom pai, mau eletricista caseiro…”; “Aqui jaz um homem que morreu de saco cheio!” ou “Aqui jaz Márcio A. Vaz.: comercialino, cervejeiro, boêmio, seresteiro. Está aqui contrariado.”

No filme ALBERTINA, à pedido do cineasta e Diretor Luiz Fernando F. Machado, duas artistas receberam a incumbência de preparar algumas lápides. Tais peças iriam compor o Cemitério Cenográfico que seria construído em Baixo Rio Gabiroba (São Martinho), na Vila Cenográfica.

O desafio fora lançado. Sarah Calazans, Diretora de Artes, chamou a Geniffer Martins para ajudá-la na missão. Esta moça, além de atuar no filme como colega de escola de Albertina (aqui interpretada por Jhulyene Espíndola), tinha demonstrado talento para artes plásticas.

As duas fizeram pesquisas a respeito do assunto, definiram alguns modelos de lápides e conversaram com o Diretor e com o roteirista Chico Caprario para trocar observações sobre o trabalho. Optaram pelos tipos mais comuns do início do século passado que, na verdade, são réplicas daquelas lápides usadas sobre os túmulos na Alemanha daquela época.

Aliás, no último dia 12 de agosto deste ano de 2020, arqueólogos identificaram mais de 150 lápides judaicas, chamadas ‘matzevah’, encontradas por trabalhadores, enquanto reformavam uma praça em Lezajsk, na Polônia. Elas tinham sido utilizadas pelos nazistas para sedimentar estradas durante a Segunda Guerra Mundial.

Elas, certamente, podem conter dados importantes para descobrir de onde foram retiradas e a história daquelas pessoas às quais elas se referem.

Aqui entre nós, nos antigos cemitérios católicos e luteranos da região de São Martinho, igualmente encontram-se verdadeiros tesouros históricos, culturais, religiosos e artísticos. Tanto que foram objeto de estudos e catalogação por profissionais da UFSC, como Elisiana Trilha Castro, que é Historiadora e Especialista em Patrimônio Cultural Funerário. Recentemente ela publicou dois trabalhos sobre o tema: “In Frieden: inventário dos cemitérios de imigrantes alemães de São Martinho” e “Ruhe Sanft: inventário do cemitério de imigrantes alemães de São Martinho Alto”.

Por sinal, São Martinho Alto é considerado o berço do município. No antigo e histórico cemitério da comunidade, com autorização das lideranças da Igreja, foram gravadas algumas cenas do filme ALBERTINA. Por exemplo: o sepultamento da motha Elisabeth (avó de Albertina, personagem de D. Dika Berkenbrock) e o encontro de Albertininha com o Thomas Hellmann, para perdoá-lo (interpretados por Suieny Espíndola e Gabriel Jonck).

Tendo definido quantas lápides cenográficas haveriam de produzir e quais os modelos, Sarah e Geniffer chamaram o pessoal da Produção de Set, que lhes providenciou madeirite e todos os instrumentos para moldar, serrar e pintar as peças funerárias. Elas ainda fizeram alguns testes com tintas, tipos de letras... Mas, no final, tudo deu certo.

O ateliê delas foi montado numa das salas do casarão cedido pelo senhor Amilton Lemos, dentro do espírito da Sopa de Pedras. Lemos também atuou no filme. Esta casa antiga, que estava sendo usada, foi transformada em Vila Cenográfica. Ali foram criados ambientes para vários cenários.

Por horas, Sarah e Geniffer trabalharam nas criação das lápides. Sentadas no chão de cimento, à sombra, fugindo do calorão, concentradas, íam construindo suas peças de arte.

Nestes dias, faziam-se no local as gravações com atores mirins e adolescentes (aquelas cenas do ambiente escolar que vemos na película). As crianças eram um show a parte. A todo instante queriam água. Passavam pela mesa com alimentos e se abasteciam. Elas gravavam... e comiam. Corriam... e comiam. Conversavam e riam... e comiam. Danadinhos insaciáveis!

Já os adolescentes, se jogavam sobre sofás e cadeirões ali na sombra. Verificavam seus celulares... e riam. Faziam selfies... e riam. Trocavam mensagens virtuais... e riam. As redes sociais bombavam!!!

Não obstante toda agitação, as meninas continuavam a preparar as lápides.

Ali ao lado, após a estrada, num gramado, junto ao Salão de Eventos dos luteranos, foi construído o tal Cemitério Cenográfico. De um dia para o outro, o lugar apareceu isolado por cercas de estaquetas produzidas pelo Marcinho e rapazes da Equipe de Produção. Foi montado um portal de entrada no cemitério e nele, no alto, fixaram uma placa de madeira, onde se lia “Cemitério de São Luiz”.

A rapaziada e a mulherada da Produção de Set caprichou na confecção dos túmulos cenográficos de madeira, em meio ao gramado. Eles usaram terra e brita também. O pessoal da Jardinagem fez um trabalho especial. Liderados pela Andréia Loffi, os voluntários Leandro Loffi, Idalina (sua avó), Bruno Wensing Moraes e Juciane “Ju” Fernandes plantaram várias folhagens para esconder a base do cercado e para dar um ar mais realístico à necrópole (cidade dos mortos). Mas, o sol de verão foi implacável e, praticamente, destruiu o trabalho todo. Salvaram-se algumas plantas ornamentais que ficaram protegidas, à sombra, dentro do casarão. Nos túmulos foram fixadas cruzes rústicas de madeira e as lápides produzidas pela Direção de Artes. Flores artificiais colocadas sobre os túmulos deram o toque final.

Tudo estava indo muito bem. Mas, o que não se sabia é que quem deu a permissão para usar aquele terreno, na verdade, não tinha autoridade para fazê-lo, pois não era seu proprietário. Então, dois membros da comunidade protestante se sentiram ofendidos com a ‘invasão’, mesmo que involuntária. E com toda razão.

Nuvens carregadas surgiram de repente no horizonte. Palavras que deveriam ser silenciadas, escaparam. Suor frio fez arrepiar a espinha dorsal. Velas foram acesas no altar de Albertina. Até que a bandeira da harmonia e do bom-senso tremulou mais alto.

Após alguns balouços daqui e dali, o contratempo foi resolvido pelo Luiz Fernando e pelo Chico Caprario, numa conversa com lideranças do lugar. Explicado o mal entendido e superado o desencontro de informações, foi permitido o uso daquele terreno para o projeto ALBERTINA.

Este cemitério cenográfico foi utilizado no registro do funeral de Albertina e no translado do corpo da finada Elisabeth.

Não obstante estarmos registrando as lembranças do grande e histórico evento que foi a filmagem de ALBERTINA, o longa-metragem fala de Amor. O Amor vivido por uma adolescente que tinha os pés na terra, mas seu coração voltado para o Céu. Amor, este, testemunhado pela prática das coisas simples do dia-a-dia, bem do jeito como Jesus viveu e ensinou lá pras bandas da Palestina.

Assim foi o Amor de Albertina pelas pessoas e pelo seu Amado Senhor. Nem a ferocidade de um homem tresloucado, empunhando um canivete ameaçador, poderia demovê-la de querer ser toda do Amado. Pois foi assim que ela viveu seus tão poucos anos de vida.

Qual seria o epitáfio perfeito para colocarmos sobre a lápide de Albertina? Alguém já disse certa vez: “Albertina, a menina que muito amou”. Outro sugeriu: “Albertina, aquela que disse SIM a Deus”.

Visitar o lugar onde foi martirizada, ou sepultada ou onde estão seus restos mortais, não é somente mergulhar na história da Beata. Mas, principalmente, é penetrar dentro de si mesmo e perceber que sempre é possível amar mais e ser uma pessoa melhor.

A propósito, qual epitáfio você gostaria fosse colocado sobre sua sepultura?

                                                                                                             (Pe. Auricélio Costa)

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