Crianças lindas “pra mais de metro”. Não há quem não se encante com os
dois pequenos Miguel e Vinícius. Têm a mesma idade (cinco anos) e quase o mesmo
tamanho! Um é galeguinho e o outro ruivinho.
A comunidade toda está em festa! Festa do padroeiro! Uma das principais
“atrações”, depois da Missa de São Sebastião e da parada na barraquinha do
sorvete, é a tal Loteria de Pedestres. Uma brincadeira que envolve pessoas de
todas as idades, uma disputando contra a outra nas corridas de campo. Todo
mundo compra as cartelas onde estão as duplas que irão correr e fazem suas
apostas: coluna um ou coluna dois. Não existe a possibilidade de dar empate.
Mas a nossa lógica de adultos tem por base um coração por demais
racional. Entramos no jogo, assimilamos as regras do “quem pode mais, chora
menos” e vamos vivendo obedientes a normas (status
quo) que parecem ser as mais normais do mundo. Disputamos, concorremos uns
contra os outros, até nos digladiamos e nos machucamos... E ainda justificamos:
“tudo bem... é a vida!”. “C’és la vie!”
Vez por outra, porém, somos obrigados a ceder diante dos “toques de
Deus”. E eles chegam até nós de muitas formas. Hoje eu percebi o “toque de
Deus” através dos olhinhos de dois meninos. Perguntei ao Vinícius: “você vai
correr contra o Miguel, né? Posso apostar em você?”. A mãe, ali do lado, meio
aflita, logo interrompeu: “Padre, ele não quer disputar. E disse que o Miguel
vai ganhar”. O pai ficou quieto e olhou pra mim com um jeito questionador,
observando minha reação. Havia ali uma tensão, algo parecia estar errado. E o
problema era a decisão da criança.
Abaixei-me. Olhei carinhosamente pro menino e perguntei: “E daí?”. Ele
olhou pra mim, daquele jeito trigueiro, lambuzando-se com o sorvete, e me
disse: “O Miguel vai ganhar. Ele é meu amigo!”.
Todos sorrimos um pouco desconcertados e envergonhados. Ao contrário do
que pensávamos, o problema não era a criança; o problema éramos nós. Há muito
que perdêramos a pureza infantil de uma sincera amizade.
Bem, chegou o momento da corrida. Toda a comunidade se reuniu em torno da
pista gramada onde aconteceriam as disputas. O locutor anunciou a próxima dupla
e perguntou: “onde está a torcida do Miguel? E a torcida do Vinícius?”. E
anunciou: “vai ser dada a largada... já!”. Sorridentes, os pequenos saíram
correndo, se divertindo... O povo gritava palavras de incentivo! Muita alegria!
De fato, o Miguel chegou primeiro... um pouquinho à frente do amigo. Os
dois pequenos corredores se abraçaram e festejaram juntos. Todos os presentes
ficaram contentes também!
No momento da premiação, um ganhou a medalha dourada e o outro, a medalha
prateada. Detalhe: as medalhas eram bolachas confeitadas, especialidade das
indústrias alimentícias do lugar.
Sorridentes, as duas crianças admiravam suas medalhas. Mas o Miguel não
quis ficar sozinho no pódio de campeão; puxou logo o amigo pela mão e,
abraçados, festejaram juntos no mais alto posto.
Bem que Jesus havia ensinado: “entre vocês não deve ser assim” (Mt 20,26).
As nações se tornam adversárias, alimentam conflitos, disputas e contendas. Mas
o modelo cristão não coaduna com isso: “amai-vos uns aos outros” (Jo 13,34);
“em tudo procurai o bem do próximo...” (1Cor 10,24); “Cuidai para não
ofenderdes as pessoas...” Rm 12,16-17); “Rivalizai-vos no amor” (Rm 12,10)... Pois,
“o que importa é o amor!” (1Cor 13,13)..
Seria muito bom se a gente aprendesse a olhar o outro como companheiro de
caminhada; como um semelhante; como um irmão e filho de Deus! Ah! De fato, a
nossa sociedade seria diferente se não fomentássemos mais as disputas para
proclamar alguém (ou alguns grupos) mais importante do que outros! Pois, de
fato, considerando as outras pessoas verdadeiramente seres humanos e com igual
dignidade, teceríamos as bases de uma sociedade bem mais feliz!
Parece sonho? Utopia? Ou mero devaneio? Bem, não fui eu quem sonhou isso
primeiro. E não sou o único. O Vinícius e o Miguel já descobriram isso ainda
crianças. Observe as crianças ao seu redor. O que fazer para que elas continuem
acreditando na beleza do ser humano?
Jesus ensinou que “quem não tiver um coração como o de criança, não
entrará no Reino de Deus” (Lc 18,17). Ele conheceu as consequências de uma
sociedade em que governantes, comerciantes, líderes religiosos e cidadãos
comuns têm corações enrijecidos. Ele mesmo foi vítima desta sociedade que perdeu
a pureza inicial (do Édem): foi rejeitado desde o nascimento em Belém... até
ser morto violentamente na cruz do Calvário.
Todavia, em nenhum momento perdeu a serenidade interior. Ele continuou a
sorrir para as pessoas, a acolhê-las como “imagem e semelhança” do Pai. Ele as
escutava com amor e sofria as dores delas. Seu coração tinha “cheirinho de
Céu”, de onde veio.
Tanta ternura e tanto amor... mexiam com o coração das pessoas; faziam
com que elas se encantassem com aquele galileu. Nem diante de seus oponentes,
Ele não se conformava à rigidez de seus corações. Acusava-lhes a dureza
interior, e até os chamou de “hipócritas e sepulcros caiados” (Mt 23,27). Mas
não deixou que de lhes propor: “Convertam-se e creiam no Evangelho” (Mc 1,15).
Aprendamos com os mais simples a termos um coração mais despojado, mais
humilde, mais acolhedor!... Um coração mais humano! A vida é dura e há muitas
barreiras a serem enfrentadas cada dia. Mas não podemos perder a ternura e a
alegria de viver e conviver com as pessoas!
Ainda hoje recordo do brilho nos olhos dos meninos de Vargem do Cedro; e
do seus sorrisos contagiantes e do abraço que trocaram em cima do pódio. Não há
espaço para disputas entre amigos, só para enriquecimento mútuo. O ruivinho
tinha razão; como poderia disputar com o seu companheiro? A sua resposta ainda
repercute aqui no meu coração: “Ele é meu amigo!”...
Todos nós somos chamados a ser missionários do Amor!
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