Em casa, os avós e tios esperavam ansiosos a chegada
do netinho e sobrinho amado. Era o aniversário do Pedro Antônio. Quatro anos!
Ele chegou ainda agitado depois de uma tarde toda junto dos coleguinhas no
Jardim de Infância, que ele chama de “minha escola”.
O garoto logo percebeu que havia um embrulho todo
enfeitado no chão, sobre o tapete da sala. Conteve-se um pouco e, com seu jeito
maroto, perguntou (como se não soubesse): “o que é isto? Um presente? É pra
mim?” Todos o incentivaram: “abre-o; é seu!”. Avidamente ele passou a retirar o
embrulho e exclamou, logo que percebeu do que se tratava: “um caminhão! Vamos
pra praia!” E todos ficaram contagiados pela felicidade da criança com o
presente que recebia. Mas, embora o menino ainda não compreenda, na verdade,
ele é que é um grande presente que Deus deu à família!
As experiências familiares revelam muito do sonho
que Deus acalenta no seu Coração a nosso respeito. Enquanto plasmava a Criação,
cuidou de todos os detalhes pensando unicamente no bem das suas criaturas.
O ser humano não pára de se encantar com cada uma
das novas descobertas, seja no campo da Física Quântica e demais ciências, ou
naquelas que tratam do ente humano. Ainda nos impressionam as notícias que
resultam das pesquisas realizadas nas mais longínquas e quase imaginárias
galáxias do cosmos; bem como aquelas que nos chegam das investidas nas
profundezas abissais dos oceanos.
O Livro do Gênesis atesta: “essa é a história da
Criação do céu e da terra... ainda não havia na terra nenhuma planta do
campo... ainda não havia feito chover sobre a terra e não havia homem que
cultivasse o solo... Então, Javé Deus modelou/plasmou o homem com a argila do
solo, soprou-lhe nas narinas um sopro de vida, e o homem tornou-se um ser
vivente” (Gn 2,2,4ª-7).
Emocionante e plasticamente belo é o relato da
criação da mulher! Assim lemos: “Não é bom que o homem esteja sozinho. Vou
fazer para ele uma companheira que lhe seja semelhante. (...) Então Javé Deus
fez cair um torpor sobre o homem, e ele dormiu... Da costela que havia tirado
do homem, Javé Deus modelou/plasmou uma mulher... O homem exclamou: ‘esta,
sim!’” (Gn 2,18-23).
Ao nos conscientizarmos do zelo paternal com que
Deus nos fez, algo em nós deve nos tornar mais responsáveis uns com os outros.
Não é aceitável, portanto, nenhum sentimento tolo de supremacia que pudesse
depreciar ou colocar em risco a existência do conjunto criacional.
Pelo contrário, a nossa existência é uma riqueza
para tornar ainda mais significativo tudo o que Deus, amorosamente, criou. Pois
somente nós sabemos que existimos. E somente nós somos capazes de nos
questionarmos: de onde viemos, qual a nossa missão existencial e para onde
iremos. Existe uma simbiose na natureza, sem a qual nós não poderíamos viver
saudavelmente neste mundo.
O Papa Francisco refletiu sobre isso na sua Carta
Encíclica Laudato Sì (“sobre o cuidado com a casa comum” - 2015). Ensina o
Pontífice: “um crime contra a natureza é um crime contra nós mesmos e um pecado
contra Deus” (nº 08).
E, a fim de superarmos as agressões à obra do
Criador, em conjunto com o Bartolomeu I, Patriarca Ecumênico de Constantinopla
desde 1991, Francisco propõe algumas atitudes: “passar do consumo ao
sacrifício, da avidez à generosidade, do desperdício à capacidade de partilha,
numa ascese (renúncia) que significa
aprender a dar, e não simplesmente renunciar. É um modo de amar, de passar
pouco a pouco do que eu quero àquilo de que o mundo de Deus precisa (nº 09)”.
Sim, o Criador cuidou de tudo, sempre pensando na
nossa felicidade. E criou-nos livres. O bom uso desta liberdade pode fazer com
que vivamos prosperamente nossos dias nesta vida. Assim, podemos ajudar os que
caminham ao nosso lado a serem mais felizes, colaborando na construção de uma
sociedade justa, fraterna, digna... Foi Deus Quem colocou estes sonhos dentro
do nosso coração.
Criança não faz muita distinção entre sonho e
realidade. O jovem ainda sonha, mas a fuga da realidade pode levá-lo ao mundo
dos devaneios. O adulto, também sonha, mas já não tem tempo para perder com
“essas bobagens”. O idoso, igualmente, sonha; mas sonha saudoso dos dias que
viveu na realidade.
Vale a pena recordar a poesia “Não sei” de Anna
Lins, a nossa Cora Coralina. A grande e famosa escritora brasileira, nascida em
Goiás, teve a sua primeira obra publicada somente aos 75 anos de idade. Ela
faleceu aos 95 anos e seus ensinamentos em prosa e versos são imortais. Escreveu:
“Não sei se a vida é curta ou longa para nós, mas sei que nada do que vivemos
tem sentido, se não tocarmos o coração das pessoas. Muitas vezes basta ser:
colo que acolhe, braço que envolve, palavra que conforta, silêncio que respeita,
alegria que contagia, lágrima que corre, olhar que acaricia, desejo que sacia,
amor que promove. E isso não é coisa de outro mundo, é o que dá sentido à vida.
É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais, mas que seja
intensa, verdadeira, pura enquanto durar. Feliz aquele que transfere o que sabe
e aprende o que ensina”.
O filósofo francês Voltaire (1964-1778) escreveu que
“Deus concedeu-nos o dom de viver; compete-nos a nós viver bem”. Vivemos bem
quando cultivamos gratidão a Deus pelo presente da vida. E quando nos tornamos
um presente para os irmãos.
Pedro Antônio brinca feliz com seu novo presente,
enquanto não chega o verão. Brrummm Brrummm segue o menino imitando o som do
motor do seu caminhão. Lá em casa se aprendeu desde cedo que cada criança que
nasce é Deus nos presenteando com Amor. Viver é ser dom!... é ser presente! É
preciso festejar a vida, dom maior do Criador que, um dia, em Belém, se fez
Presente também!
Pe. Auricélio Costa – Novembro de 2018
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