Certa vez encontrei um
jovem senhor que me comunicava da morte de seu pai: “Padre, meu pai, enfim,
após tanto sofrimento, partiu para o Céu”. Perguntei-lhe como era o seu
relacionamento com ele. Foi aí que eu recebi uma grande lição. Confidenciou-me
que por muitos anos foi vítima de estupro pelo pai, que amargou esta dor
interiormente, e que a sua vida foi marcada por muitos sentimentos de
incompreensão e raiva e medo. Após sua denúncia, o pai foi preso. Por muitos
anos ficaram separados. O homem adoeceu e foi abandonado. Então, em meio à
grave enfermidade do pai, os dois de reconciliaram.
Ouvindo seu relato eu
já não percebia rancor em sua voz, nem em sua feição. Perguntei-lhe porque
parecia tão sereno. Ele me disse: “porque eu o amava. Por justiça, o denunciei;
por amor, eu o perdoei. Agora eu vivo em paz”!
São muitos os casos de
superação de dor e de traumas. A solução para tais sofrimentos pode estar em
alguma técnica de terapia... mas, neste Ano Santo do Jubileu da Misericórdia, o
Papa Francisco nos recorda um remédio infalível: o amor que perdoa!
Na Bula “Rosto da
Misericórdia”, nº 04, ele recorda as palavras de São João XXIII na abertura do
Concílio: “Nos nossos dias, a Esposa de Cristo (Igreja) prefere usar mais o
remédio da MISERICÓRDIA que o da severidade. (...) A Igreja Católica... deseja
mostrar-se mãe amorosa de todos, benigna, paciente, cheia de misericórdia e
bondade... (11/101/1962)”.
Na conclusão de tal
evento, o Beato Paulo VI falou: “... a religião do nosso Concílio foi, antes de
mais, a CARIDADE... aquela antiga história do bom samaritano foi exemplo e
norma... para que... se dessem remédios cheios de esperança... e palavras de
confiança” (07/12/1965). Assim, Francisco convida todos nós – tanto
individualmente, quanto como instituição Igreja – a contemplarmos Jesus, o
rosto misericordioso do Pai. O “Jesus histórico” que conhecia o coração humano
e acolhia todas as pessoas, é o mesmo “Cristo da fé” que reconciliava e
perdoava e curava! As atitudes de Jesus comprovam Seu ensinamento e nos revelam
como é o coração de Deus, que Ele é Amor!
Ser misericordioso não
significa compactuar com aquilo que é pecaminoso, que ameaça a vida, que nos
afasta de Deus e da comunidade. O mal sempre será mal. Mas Jesus nos mostra que
é possível trilhar um caminho diverso daquele da vingança, do revidar o mal feito,
do desprezo pela vida, do fechamento para Deus, do mundanismo religioso...
O Amor misericordioso
de Deus nos aproxima de nós mesmos, para que tenhamos Misericórdia de nossa
própria história, de nossas realidades pessoais mais íntimas que podem nos trazer
fechamentos e sofrimentos. Assim, compreendendo que somos infinitamente amados
por Deus, podemos construir uma história de vida mais altruísta, mais
evangélica, mais livre e mais santa!
Neste Ano Santo está em
voga a “Apóstola da Misericórdia” Santa Faustina, a freira polonesa que
divulgou a devoção à Divina Misericórdia. Numa de suas locuções interiores, ela
“ouviu” Jesus lhe dizer: “Coloquem a esperança na Minha Misericórdia os maiores
pecadores. Eles têm mais direito do que os outros à confiança no abismo da
Minha Misericórdia. (...) Causam-me prazer às almas que recorrem à Minha
Misericórdia. (...) Antes de vir como Justo Juiz, abro de par em par as portas
da Minha Misericórdia!” (Diário, nº 1146, p. 304). É bem assim o coração de
Deus!
Nosso mundo e,
particularmente nosso país, precisa promover a justiça, respeitar os Direitos
Humanos, aprender a viver na pluralidade, globalizar a esperança e o pão,
defender a família e a nossa Casa Comum!... Mas necessita, sobretudo, do
REMÉDIO DA MISERICÓRDIA. Pois é a Misericórdia que nos permite olhar o outro não
como inimigo, não como adversário... mas, como filho e filha de Deus, nosso
irmão e nossa irmã!
Aquele homem que
perdoou o seu pai e o acolheu até à morte me ensinou que a Misericórdia
transforma vidas, constrói novas possibilidades de amar e nos aproxima do Céu.
De fato, “somente o amor misericordioso constrói”!
Pe. Auricélio
Costa – Reitor do Santuário de Albertina
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